Faça HIIT do Jeito Certo: HIIT de Intervalos Longos

Descubra como fazer o HIIT longo e quando aplicá-lo, com exemplos de protocolos utilizados em pesquisas científicas.

Foto: EJ Hersom em dod.defense.gov

Este artigo é parte de uma série sobre HIIT, você pode encontrar os demais artigos aqui:




Já vimos anteriormente que o HIIT não é uma grande novidade no universo dos exercícios físicos. Apesar de o HIIT moderno ter sua origem no início do século passado, essa modalidade está bem “na moda” atualmente.

Mas o rótulo HIIT - Treino Intervalado de Alta Intensidade - possui diversos tipos de protocolos e modelos diferentes, cada qual com um ou alguns objetivos específicos. Atualmente, podemos dividi-lo em quatro subtipos básicos:

HIIT de intervalos curtos, HIIT de intervalos longos, SIT (Sprint Interval Training) e RST (Repeated Sprint Training).

O segundo método abordado nesta série é bastante semelhante ao HIIT curto (visto anteriormente), pelo menos na forma como é realizado. Já em relação aos estímulos fisiológicos e psicológicos ele pode ser bem diferente.

Conheça, então, o HIIT Longo.


O Que É o HIIT Longo

O HIIT de intervalos longos consiste em tiros submáximos (menor do que 100% da vVO2max) de 2 a 4 minutos, alternados com intervalos de descanso com duração menor ou igual ao tempo do tiro (90s a 4min), os quais podem ser ativos (normalmente a 50% da intensidade do tiro) ou passivos (parado/caminhando).


Escolha do Exercício

Tradicionalmente, o HIIT tem sido aplicado e estudado em exercícios cíclicos de natureza mais aeróbia, como a corrida, ciclismo, remo e natação. Dessa forma, os exemplos utilizados neste artigo serão mais voltados para esses exercícios.

Isso não quer dizer que o método tenha que ser limitado a tais atividades, podendo ser adaptado para outros exercícios, como por exemplo: subir escadas, pular corda, empurrar trenó, patinação, esqui, corda naval, airbike, elíptico, dentre outras modalidades.


Como Determinar a Intensidade

Um dos poucos pontos negativos do HIIT Longo é a necessidade de se realizar o exercício na intensidade correta para obter os resultados esperados, sendo recomendável controlar a intensidade normalmente por meio de parâmetros mecânicos (velocidade ou potência).

Isso é simples para pessoas que se exercitam em equipamentos que marcam a velocidade ou a potência, como uma bicicleta ou esteira ergométrica, mas pode dificultar bastante a vida de quem quer fazê-lo ao ar livre, por exemplo.

Para controlar a intensidade do treino intervalado, precisamos conhecer o conceito de intensidade de VO2max (iVO2max).

VO2max é a capacidade máxima do corpo em transportar e metabolizar oxigênio durante um determinado exercício físico. A intensidade de VO2max refere-se à velocidade (vVO2max) ou potência (pVO2max) em que uma pessoa alcança seu maior consumo de oxigênio, o qual entra em um platô, ou seja, mesmo aumentando a intensidade do exercício o consumo de oxigênio não aumenta mais, até que o indivíduo chegue à exaustão.

Isso é avaliado através de um teste ergoespirométrico incremental, normalmente realizado em esteira ou bicicleta, em clínicas ou laboratórios, com eletrodos grudados no seu peito e uma máscara incômoda acoplada na sua cabeça para analisar as trocas gasosas (quanto entra de oxigênio vs. quanto sai de CO2).

Contudo, ensinei alguns métodos “caseiros” para descobrir a iVO2max no artigo anterior.

*Veja ainda a possibilidade de controlar a intensidade por meio da frequência cardíaca (FC) mais adiante.


E Qual a Intensidade Utilizada?

No HIIT Longo, a intensidade dos tiros é de aproximadamente 80-95% da intensidade de VO2max. Uma curiosidade sobre a intensidade é que, aparentemente, indivíduos com menor capacidade física e com VO2 mais baixo, normalmente, conseguem realizá-lo em intensidades maiores.

Outra observação em relação à intensidade é que em tiros mais curtos (mais próximos dos 2 minutos) é possível utilizar uma maior intensidade do que em tiros mais longos (mais próximos dos 4 minutos).

Ajuste a intensidade levando em conta esses parâmetros.


Quantos Tiros Fazer

Idealmente, o volume de exercício deve permitir atingir de 5 a 10 minutos na zona de VO2Max (pelo menos a 90-95% do VO2max). Normalmente, costumam ser necessários cerca de 10 a 20 minutos de trabalho (apenas tiros, sem contar os descansos) na intensidade apropriada para alcançar tais números.

Apesar disso, há estudos com menos de 10 minutos e outros com até 30 minutos de trabalho demonstrando resultados positivos em alguma valência física específica.

Assim, o número de tiros deve levar em conta o tempo do tiro e o tempo total de trabalho pretendido. Pegando dois exemplos quase extremos: 5 tiros de 2min/2min totalizam 10 minutos de trabalho (embora o tempo total do treino fique em 20 minutos), enquanto 5 x 4min/3min equivalem a 20 minutos de trabalho (e 35 minutos de treino).


Como Deve Ser o Descanso

O intervalo de descanso entre os tiros é equivalente ao tempo do tiro ou menor (pelo menos metade desse tempo, geralmente).

O descanso pode ser ativo (apenas diminuindo-se a intensidade do exercício) ou passivo (parando completamente ou caminhando).

No descanso ativo reduz-se a intensidade do exercício para cerca de 50% da intensidade do tiro, usualmente entre 40 e 50% da vVO2max.

Sua vantagem é manter um maior consumo de oxigênio durante o intervalo, necessitando de menos tempo para atingir a zona de VO2max no tiro subsequente, bem como manter uma FC mais elevada durante o descanso. Um dos benefícios frequentemente citados para a utilização do descanso ativo é a remoção mais rápida de metabólitos que induzem à fadiga muscular (principalmente lactato) acumulados durante o tiro. Isso costuma ser avaliado nos estudos através da redução na concentração de lactato sanguíneo, contudo, essa concentração sanguínea não apresenta, necessariamente, uma correlação com a concentração de lactato nos músculos.

Como desvantagem, o descanso ativo, principalmente se muito curto, pode apresentar prejuízo na performance dos tiros subsequentes.

Assim, aparentemente, o descanso ativo é melhor empregado em intervalos de descanso mais longos (3 a 4 minutos).


O descanso passivo (parado ou caminhando), por sua vez, segundo estudos atuais, permite uma maior oxigenação dos músculos, maior ressíntese de PCr (creatina fosfato) e diminui a participação do sistema anaeróbio no tiro seguinte. Apesar disso, durante o descanso passivo o consumo de oxigênio é reduzido em maior nível do que no descanso ativo, o que não significa (dependendo da configuração do treino), necessariamente, um menor tempo total da sessão na zona de VO2max.

Por esse motivo, é recomendável a utilização do descanso passivo apenas em intervalos menores (menos de 3 minutos).


Alguns estudos têm utilizado a FC como parâmetro para duração do descanso, iniciando um novo tiro assim que a FC retorne a uma zona alvo (por exemplo, 60 ou 70% da FCmax). Essa prática pode não ser muito relevante, já que a recuperação da FC não está diretamente relacionada à demanda de oxigênio sistêmica ou à recuperação dos sistemas energéticos utilizados. Contudo, é uma possibilidade válida.


Quer Dizer que Posso Usar a FC para Controlar a Intensidade?

É possível. No HIIT Longo, como os intervalos são longos o suficiente para a FC atingir valores próximos ao máximo, é possível utilizá-la como forma de controle da intensidade.

Explico: a FC apresenta um retardo em relação à intensidade do exercício e ao próprio VO2. Como no HIIT Curto os intervalos são muito pequenos, o controle da intensidade por meio da FC fica fora de cogitação (no máximo, ela pode ser utilizada como parâmetro para avaliação do esforço). Já no HIIT com intervalos longos, há tempo suficiente para a FC subir durante o tiro e voltar a cair durante o descanso, especialmente em tiros mais longos.

Normalmente são utilizadas intensidades de 90-95% da FCmax durante os tiros (obviamente, leva algum tempo para alcançar essa intensidade) e descansos a aproximadamente 60-70% da FCmax. Use um frequencímetro para controlar sua FC com maior precisão e facilidade.


Embora não seja ideal, é uma possibilidade, principalmente para quem pretende fazer HIIT Longo ao ar livre (correndo na rua, por exemplo). Essa forma também funciona melhor com tiros mais longos (próximos a 4 minutos), indivíduos com menor capacidade física e indivíduos que sabem sua vVO2max ou que possuem experiência em correr no pace ou na vVO2max apropriada para o HIIT longo.


Diferenças em Relação ao HIIT Curto

Um estudo finlandês publicado em 2000¹, comparou um protocolo de HIIT curto - 14 tiros de 1min a 100% vVO2max por 1min de descanso passivo - com um protocolo de HIIT longo - 7 x 2min a 100% vVO2max /2min de descanso passivo.

O que eles encontraram foi um maior pico no consumo de oxigênio (12%), maior pico na FC (3%) e maior acúmulo de lactato (79%) no grupo que fez o HIIT Longo. Comparando os dois grupos, não houve diferenças significativas no consumo de oxigênio em cada intervalo, porém quando somados, o VO2 foi maior no grupo que fez o HIIT longo.

Apesar disso, o pico de VO2 era maior durante o tiro (68,5 x 61,3 ml/kg/min), mas menor durante o descanso (16,3 x 27,8 ml/kg/min) no HIIT longo, comparado ao HIIT curto.

Os autores concluíram que, em atletas bem treinados, dobrar a duração do tiro/descanso de 1 para 2 minutos aumentou o esforço físico a níveis semelhantes a um teste de VO2max até a exaustão.

Então, fisiologicamente, temos um maior aumento do consumo de oxigênio, da frequência cardíaca, maior participação do sistema anaeróbio e maior acúmulo de lactato, logo, uma maior percepção de esforço do ponto de vista psicológico no HIIT Longo.

Isso pode ser excelente para a performance em atletas e pessoas com interesses competitivos em esportes de endurance (especialmente o aumento do VO2max), mas pode ser uma sensação bem ruim para um frequentador de academia/clube médio, que só quer fazer exercícios por questões de saúde ou para fins estéticos.

Em outras palavras, HIIT Longo “dói” mais, pode provocar dor muscular nos dias seguintes e é bem mais cansativo do que o HIIT Curto, mas possivelmente provoca maiores alterações fisiológicas.


HIIT Longo é Seguro?

Podemos dizer que sim. Cientistas têm utilizado com sucesso modelos de HIIT Longo em pesquisas com cardiopatas, idosos, obesos, diabéticos e outras condições que podem ser consideradas “preocupantes”.

Um estudo² publicado por pesquisadores noruegueses em 2007, recrutou 27 cardiopatas pós-infartados com insuficiência cardíaca, com média de idade de 75 anos, e comparou as respostas dos indivíduos a três condições diferentes: um grupo que fez HIIT longo com acompanhamento, outro que praticou aeróbio contínuo em intensidade moderada com acompanhamento e um grupo controle, que apenas recebeu conselhos sobre a prática de exercícios físicos, mas não foi supervisionado.

Ambos os grupos, HIIT e contínuo, fizeram o mesmo exercício, caminhada inclinada na esteira ergométrica, três vezes por semana durante 12 semanas, diferindo apenas na intensidade.

O grupo que realizou o protocolo de HIIT Longo (também conhecido como protocolo de Wisloff), primeiro fazia um aquecimento caminhando durante 10 minutos a 60-70% da FCmax na esteira, em seguida executava 4 tiros de 4 minutos a 90-95% da FCmax por 3 minutos de descanso ativo, caminhando a 50-70% da FCmax. Tempo total de treino: 38 minutos.

O grupo do aeróbio contínuo moderado caminhava a 70-75% da FCmax por 47 minutos seguidos, a fim de queimar a mesma quantidade de calorias do que o grupo que fez HIIT.

Ao final das 12 semanas, eles verificaram um maior aumento do VO2pico no grupo que fez HIIT do que no treino contínuo (46% vs. 14%, respectivamente). Da mesma forma, a função endotelial apresentou melhores resultados para quem fez HIIT. Apenas o grupo que fez HIIT apresentou melhora na função cardíaca e teve um aumento na função mitocondrial no músculo vasto lateral da coxa. Um questionário sobre qualidade de vida na doença cardiovascular obteve aumento nos scores em ambos os grupos que praticaram exercício supervisionado. Nenhuma dessas mudanças ocorreu no grupo controle.


Nossa, mas eles colocaram velhinhos cardiopatas pra correr até a exasutão?

Pois bem, acontece que em idosos, obesos e outras populações especiais, muitas vezes o HIIT Longo vai ser uma caminhada inclinada mais acelerada na esteira (exatamente como foram os tiros no estudo anterior), intercalado com uma caminhada mais lenta em menor inclinação (ou mesmo sem inclinação). A intensidade sempre deve ser adaptada às capacidades físicas individuais.

No teste incremental utilizado nos idosos pós-infartados do estudo anterior, por exemplo, o protocolo consistia em manter uma velocidade constante na esteira (caminhada) e aumentar a inclinação em 2% a cada estabilização do VO2, até atingir um platô no consumo de oxigênio apesar do aumento na inclinação. Bem diferente de um teste incremental comum, como o explicado no artigo sobre HIIT curto.


HIIT Longo Emagrece?

Sim. Um estudo de um grupo de pesquisadores da Austrália³ submeteu 7 remadores de nível competitivo a dois protocolos de exercício (HIIT ou contínuo), feitos no remoergômetro (Concept II), com duração de 4 semanas, em modelo cruzado (crossover), ou seja, todos os participantes foram testados em ambas as condições.

O protocolo de HIIT consistia de 8 tiros de 2:30min a 90% da pVO2max, intercalados com descanso a 40% da pVO2max até que a frequência cardíaca retornasse 70% da FCmax ou até o máximo de 5 minutos (o que ocorresse primeiro). O treino era repetido duas vezes na semana.

O protocolo contínuo consistia em 35 a 40 minutos remando (no ergômetro) em intensidade moderada, equivalente ao primeiro limiar de lactato (aproximadamente), também repetido duas vezes por semana.

Os pesquisadores verificaram uma maior concentração de adiponectina, um hormônio que regula a glicemia e a degradação de gorduras, apenas no grupo que fez HIIT. Além disso, somente houve perda de gordura significativa (avaliada por DEXA) após o HIIT. O VO2pico dos atletas também aumentou apenas após as sessões de HIIT (7,3 vs. 0,7) em comparação com o exercício contínuo.

Ou seja, o HIIT longo trouxe resultados positivos na performance e na composição corporal, mesmo em indivíduos altamente treinados.


Como Usar Essa Informação

Baseado no que foi visto até agora, as recomendações básicas para o treino de HIIT de intervalos longos, passo a passo, seriam:

  1. Escolher a modalidade de exercício e saber sua intensidade de VO2max (vVO2max ou pVO2max) na mesma, ou então controlar o exercício através da FCmax estimada;
  2. Iniciar com um aquecimento de cerca de 5-10 minutos a 60-70% da iVO2max ou da FCmax;
  3. Realizar tiros (entre 3 e 10, aproximadamente) de 2 a 4 minutos, procurando acumular um trabalho total de 10 a 20 minutos, na intensidade de 80 a 95% da iVO2max ou 90-95% da FCmax;
  4. Intercalá-los com descanso passivo ou ativo (intensidade de 40-50% da iVO2max ou 60-70% da FCmax) entre os tiros, com duração igual ao tempo do tiro ou inferior;

Preferencialmente, use intensidades mais altas (95%) para tiros menores (2min) e intensidades mais baixas (80% da iVO2max ou 90% da FCmax) para tiros mais longos (4min).

Experimente as diferentes durações de tiros e descanso possíveis. Comece de baixo e vá progredindo aos poucos. Não hesite em começar com menos tiros ou menos tempo do que o indicado, caso seja necessário.

Em três semanas falaremos sobre o treino intervalado de sprints, mas até lá você tem várias possibilidades para testar o HIIT longo.



Fontes:
1. Vuorimaa T, Vasankari T, Rusko H. “Comparison of physiological strain and muscular performance of athletes during two intermittent running exercises at the velocity associated with VO2max”. Int J Sports Med. 2000 Feb;21(2):96-101.
2. Wisløff U et al. “Superior cardiovascular effect of aerobic interval training versus moderate continuous training in heart failure patients: a randomized study”. Circulation. 2007 Jun 19;115(24):3086-94.
3. Shing CM, Webb JJ, Driller MW, Williams AD, Fell JW. “Circulating adiponectin concentration and body composition are altered in response to high-intensity interval training”. J Strength Cond Res. 2013 Aug;27(8):2213-8.
4. Buchheit M, Laursen PB. “High-intensity interval training, solutions to the programming puzzle: Part I: cardiopulmonary emphasis”. Sports Med. 2013 May;43(5):313-38.

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