Exercício Aumenta Ou Diminui A Imunidade?

O quebra-cabeça sobre o papel do exercício no sistema imune pode estar com peças faltando.   Veja aqui novas considerações sobre exercício e imunidade.

Foto: Bruno /Germany em Pixabay


Em tempos de pandemia, um dos assuntos mais em alta no momento tem sido como "turbinar" a imunidade.

Ao mesmo tempo, milhares de pessoas estão procurando um meio de continuar treinando agora que as academias estão fechadas em grande parte do mundo.

Quer você esteja treinando em casa ou praticando exercícios ao ar livre, provavelmente você já ouviu falar que o exercício regular aumenta a imunidade, mas que exercícios intensos podem até diminuí-la.

Embora isso seja quase um dogma na imunologia do exercício, recentemente essa teoria foi desafiada. Vamos dar uma olhada nos possíveis pontos de consenso e no que ainda não está totalmente esclarecido pela ciência.



Mas Primeiro, É Realmente Possível Aumentar a Imunidade?

O Sistema Imunológico é um conjunto de células especiais, tecidos, proteínas e órgãos que trabalham em conjunto para proteger nosso corpo de ameaças em potencial. Quando esse sistema funciona apropriadamente, ele detecta invasores como vírus, bactérias e parasitas, além de outras mazelas como células cancerígenas, e aciona uma resposta imune para combatê-los.

Então, a ideia de aumentar sua imunidade pode ser muito atraente, mas a capacidade de se fazer isso ainda é duvidosa por diversos motivos, e nem mesmo existe um consenso de que isso seria uma coisa boa já que diversas doenças como asma, alergias e doenças autoimunes, são associadas a uma imunidade hiperreativa.

O sistema imune é, como o próprio nome já diz, um sistema, e não uma única entidade. Assim, para funcionar bem, ele precisa de equilíbrio e harmonia. Há muitas coisas que a ciência ainda não sabe sobre as complexidades e interconectividades da resposta imune e, até o momento, não há ligações diretas cientificamente comprovadas entre o estilo de vida e uma resposta imune aumentada². Apesar disso, várias pesquisas já investigaram a influência de diversos fatores, como exercício, dieta e estresse, na imunidade.

E, se por um lado talvez não seja possível turbinar sua resposta imune, alguns fatores parecem realmente poder reduzi-la ou prejudicá-la. Dessa forma, parece que nós podemos, de fato, tomar algumas atitudes para reforçar nossa imunidade e garantir que ela esteja funcionando o mais próximo possível de seu nível ótimo.


Atenção!

Se você veio até aqui procurando saber se aumentar sua imunidade vai lhe proteger agora, no meio dessa pandemia, trago péssimas notícias.

Aparentemente, você não pode aumentar sua imunidade contra o novo Coronavírus (SARS-CoV-2) e a doença que ele provoca, a COVID-19. Essa doença é muito nova e nós não temos muitas informações sobre ela ainda. Nosso sistema imunológico tampouco conhece esse vírus, então, a princípio, ninguém seria imune a ele (exceto, possivelmente, aqueles já infectados e curados). E como ainda não temos uma vacina, potencialmente 100% da população pode ser infectada.

Embora você não possa evitar o contágio, estar em boas condições de saúde parece ser uma boa ideia, visto que a doença tem matado principalmente idosos com mais de 65 anos (pelo menos 80% das mortes, chegando a 95% em alguns países) e pessoas com outras comorbidades, como cardiopatias e diabetes (essas, as principais no Brasil), além de doenças pulmonares e pessoas imunossuprimidas (ou seja, com imunidade baixa).



Exercício e Imunidade

Múltiplos estudos em humanos e animais já demonstraram o profundo impacto que o exercício pode ter no sistema imune. O exercício regular é um dos pilares de uma vida saudável, melhorando a saúde cardiovascular, reduzindo a pressão arterial, ajudando no controle do peso, e protegendo contra uma série de doenças, incluindo diversos tipos de câncer.

Há um consenso geral de que o exercício moderado e regular de curta duração (até uns 45 minutos) é benéfico para o sistema imune, especialmente em idosos e pessoas com doenças crônicas. Em contraste, a prática de exercícios extenuantes, como os praticados por atletas de alta performance, tem sido associada com uma resposta imune suprimida e um maior número de infecções em atletas. A maioria dessas pesquisas foi realizada com exercícios aeróbios cíclicos, mas estudos com treino resistido (i.e. musculação) também encontraram padrões similares, porém em menor magnitude.

Essas evidências resultaram na hipótese comumente aceita de uma curva em forma de J que relaciona o exercício com o risco de infecções, assim como na teoria da “janela aberta”, período em que o organismo estaria mais suscetível a infecções após o exercício extenuante.

Curva em J - o eixo X representa a intensidade do exercício; o eixo Y, o risco de infecções³


Embora seja bastante aceita essa visão de que o exercício em intensidades moderadas e curta duração (~45 min) seja “imunoamplificador” e que exercícios vigorosos de longa duração (mais de 2 horas) sejam “imunossupressores”, recentemente essa teoria foi colocada em xeque.

Já foi amplamente demonstrado pela ciência que, durante a prática de exercícios (inclusive os vigorosos) há uma maior frequência de leucócitos (glóbulos brancos) na circulação sanguínea. Porém, logo após a prática de exercícios essa frequência cai dramaticamente, ficando inferior aos valores de repouso. Isso levou os cientistas a sugerirem que a imunidade pode ficar suprimida após exercícios vigorosos e extenuantes, e essa imunossupressão pode durar entre algumas horas e alguns dias até retornar aos valores normais.

Mas segundo os defensores da nova teoria, essa menor frequência de leucócitos circulantes após o fim da prática de exercícios extenuantes seria causada por uma migração dos mesmos em direção às células de tecidos e órgãos (como pulmões, intestino, pele, etc.) para executar funções de imunovigilância. Ou seja, ao invés de um comprometimento do sistema imune, isso significaria que os leucócitos - principalmente os linfócitos efetores, e notadamente as células T (ativas na defesa do organismo) e células NK (exterminadoras naturais), responsáveis por combater infecções - seriam redirecionados para áreas de nosso corpo mais possivelmente sujeitas a infecções durante esse período de recuperação.

Um estudo recente¹ promoveu um debate entre os defensores da nova teoria e os defensores da teoria mais amplamente aceita até o momento. Felizmente, se você não pratica regularmente maratonas, ultramaratonas, travessias marítimas ou coisas do tipo, as notícias são bastante boas.

Aqui estão os pontos em que os pesquisadores de ambos os lados concordam:

  1. Sessões regulares de exercícios em intensidades de moderada a vigorosa são benéficas para o funcionamento adequado do sistema imune e provavelmente ajudam a diminuir o risco de infecções ou doenças respiratórias e alguns tipos de câncer. A troca frequente das células imunológicas entre o sangue e os demais tecidos ocorrida a cada sessão de exercícios moderados ou vigorosos provavelmente contribui para uma imunovigilância aumentada, melhorando a saúde e diminuindo o risco de doenças.

  2. Há uma necessidade crítica de mais estudos para ajudar a desvendar os efeitos imunomoduladores do exercício através de novas técnicas de pesquisa.

  3. A suscetibilidade a infecções depende de diversos fatores que, muitas vezes, não são controlados nas pesquisas. Fatores como sono, estresse, nutrição, desalinhamento circadiano e histórico de vacinações e infecções podem impactar ou contribuir diretamente para um maior risco de infecções e comprometimento da imunidade, especialmente em situações onde a exposição a patógenos é mais provável.

  4. Associar o exercício vigoroso a uma queda na imunidade pode passar a mensagem errada para uma grande parcela da população que poderia se beneficiar muito ao começar a praticar exercícios físicos - não só para a melhora da imunidade, mas também da saúde e bem-estar - ou inclusive de manter a prática de exercícios mesmo em períodos como o atual, em que estamos todos preocupados com uma infecção viral.



O Que Isso Significa Para Você

Isso significa que você pode continuar se exercitando com um ritmo forte, mesmo durante a quarentena, sem esperar uma redução notável em sua imunidade, e possivelmente esperando uma melhora. Contudo, como a predisposição a infecções após exercícios excessivamente prolongados e extenuantes ainda não apresenta um consenso, vale pecar pelo excesso de cautela e evitar começar a correr ultramaratonas e ironmans ou se preparar para uma competição de fisiculturismo neste exato momento.

O exercício regular de intensidade moderada a vigorosa pode a ter um efeito positivo na imunidade.

Se você está recém começando a praticar exercícios, tenha em mente que vai demorar um pouco para começar a ver os benefícios, tanto em sua imunidade quanto em sua vida; mas eles virão, basta ser consistente. Ainda assim, eu sugeriria começar com exercícios moderados e de curta duração (até 45 minutos), já que, caso o exercício realmente possa prejudicar a resposta imune, esse efeito parece diminuir com a experiência e com a prática regular de exercícios. Apesar de que, tanto alta intensidade quanto longa duração são conceitos relativos; o que é longo para mim pode não ser longo para você.

Como temos problemas atuais de distanciamento social, a prática de exercícios pode ser um problema para muitas pessoas. Embora não haja contraindicações a se fazer exercícios ao ar livre, individualmente, em locais abertos e sem aglomerações, pode ser que algumas pessoas tenham dificuldade para isso devido ao local em que vivem.

Com as academias fechadas, exercícios resistidos (como a musculação) podem ser bem mais difíceis de se fazer do que os aeróbios. Para nossa sorte, a ciência já demonstrou que treinar com cargas baixas é tão eficiente para ganhar músculos quanto treinar com cargas pesadas, desde que os exercícios sejam levados até próximo à falha muscular (alta intensidade de esforço).

Exercícios com o peso corporal podem ajudar a preservar (ou mesmo ganhar) massa muscular (e inclusive força, se o exercício for pesado o suficiente) até que possamos voltar a puxar ferro de verdade. Pode ser bem mais fácil, contudo, encontrar exercícios desafiadores para membros superiores (principalmente os de empurrar) do que para membros inferiores. Na dúvida, fique com os básicos: Pranchas, abdominais, agachamentos (o búlgaro é uma boa opção por ser unilateral, facilitando a sobrecarga), afundos, apoios (flexões de braço), remada invertida e barra (se você tiver um local para se pendurar), handstand push-ups, etc. Você também pode usar elásticos e outros implementos caseiros para servir como carga ou para tentar simular outros exercícios.

Ainda que você possa continuar mandando ver nos treinos, o que você realmente deveria evitar é entrar em estado de overtraining (e não é sempre assim?!).  Talvez seja prudente até mesmo evitar fases de overreaching nesses tempos. Apenas não exagere muito na intensidade (menos importante) ou duração de seu treino (importante), e principalmente nas duas coisas juntas (muito mais importante) e sua imunidade estará OK.



Mas A Imunidade Depende de Mais Coisas, Certo?

Com certeza. Como vimos anteriormente, os cientistas citaram vários fatores de confusão que podem influenciar na imunidade associada ao exercício. E se isso é verdade para o exercício, o mesmo se aplica ao nosso dia-a-dia, já que esses fatores fazem parte da nossa vida.

Fatores importantes a se observar são:

  • Sono adequado;
  • Controle do stress;
  • Não fumar;
  • Manter um peso corporal saudável;
  • Evitar o álcool, ou consumi-lo com moderação;
  • Consumir uma dieta rica em frutas e vegetais, evitando a deficiência em diversos micronutrientes que podem influenciar na imunidade, como: zinco, selênio, ferro, cobre, ácido fólico, vitaminas A, B6, C, D e E, entre outros²;
  • Suplementar determinados micronutrientes ou vitaminas específicas, caso identificadas deficiências por um profissional capacitado (nutricionista ou médico)².

Talvez possamos cobrir os últimos estudos científicos sobre esses fatores alheios ao exercício, incluindo dieta e suplementação, em um próximo artigo.



O Que Isso Não Significa

Nada do que foi citado anteriormente pode proteger você contra o contágio do novo Coronavírus. Você ainda pode ser infectado e você ainda pode ficar severamente doente por conta disso. Nada garante, tampouco, que você vá se curar sozinho seguindo essas estratégias caso você seja infectado. Se você começar a apresentar os sintomas mais sérios da COVID-19, especialmente falta de ar, contate imediatamente um médico ou o sistema de saúde.

Sobretudo, nenhuma das recomendações feitas aqui substitui as orientações das agências de saúde para mitigar a transmissão do vírus. Creio que todos já sabem, mas não custa relembrar, pois essas são provavelmente as melhores formas de evitar o contágio, ao menos as que conhecemos até agora:

  • Lave as mãos frequentemente com água e sabão por 20 segundos ao longo do dia. Na impossibilidade, utilize álcool em gel 70%;
  • Evite tocar seu rosto, especialmente nariz, boca e olhos;
  • Pratique o distanciamento social, ficando em casa se puder. Evite contatos desnecessários com outras pessoas, mesmo que assintomáticas. Use máscaras se não puder evitar o contato com terceiros;
  • Isole-se voluntariamente se você acha que foi exposto ao vírus. Utilize máscaras para evitar transmiti-lo a outras pessoas. Cuide de seus familiares, especialmente das pessoas que fazem parte do grupo de risco (idosos e pessoas com comorbidades). E se você fizer parte do grupo de risco, fique em casa;
  • Caso apresente sintomas, ligue para as agências de saúde de seu município/estado/país e siga as orientações.



Fontes:
1. Simpson RJ, Campbell JP, Gleeson M, Krüger K, Nieman DC, Pyne DB, Turner JE, Walsh NP. “Can exercise affect immune function to increase susceptibility to infection?”. Exerc Immunol Rev. 2020;26:8-22.
2. Harvard Medical School. “How to boost your immune system”. Harvard Health Publishing. Sep,2014. https://www.health.harvard.edu/staying-healthy/how-to-boost-your-immune-system
3. Nieman DC, Wentz LM. “The compelling link between physical activity and the body's defense system”. Journal of Sport and Health Science. 2019 May;8(3):201-217.

0 Comentários