Ainda acredita no modelo carboidrato-insulina de obesidade? Descubra aqui porque ele está errado.
O Modelo Carboidrato-Insulina de Obesidade
Os proponentes de dietas baixas em carboidrato, como Low
Carb e Cetogênica, dizem que eles descobriram por que nós engordamos.
Segundo eles:
“Não engordamos porque comemos demais; comemos demais porque
engordamos”.
Isso é repetido como um mantra no livro “Por Que Engordamos” de Gary Taubes (e não, ele
não é meu parente).
Basta alguns minutos de conversa com um fanático por dietas
low carb (ou com a maioria deles) e você vai ouvir que a insulina é a
responsável por esses pneus acumulados em volta da sua cintura, por causa dos
carboidratos que você come.
Em resumo, segundo o modelo carboidrato-insulina (MCI), você
come demais porque a insulina “aprisiona” a gordura dentro de suas células,
inibindo a lipólise e a oxidação de gorduras; com menos gordura circulando, seu
corpo entende essa falta de energia como escassez de nutrientes, resultando em
muita fome; aí você come para repor a energia e estimula a insulina, que
novamente joga os nutrientes para dentro de suas células, criando um círculo
vicioso que resulta em acúmulo de gordura e obesidade no longo prazo. Funciona
mais ou menos assim, dizem eles...
E sabe como eu sei disso? Porque eu comprei esse livro (#facepalm). E eu também já acreditei no que ele dizia. Pelo menos até o dia que eu descobri todas as evidências que
vou lhes mostrar abaixo.
Embora seja verdade que a insulina inibe a lipólise (degradação de gorduras) e estimula a lipogênese (formação de gordura), há várias coisas
erradas na teoria do modelo carboidrato-insulina.
Primeiro, a insulina não aprisiona a gordura dentro das
células. Na verdade, pessoas obesas possuem níveis elevados de ácidos graxos no sangue (fora das células), e a taxa de liberação de ácidos graxos é aumentada (ou pelo menos “normal”) nelas, em relação à massa magra.
A insulina, tampouco, estimula o apetite. Pelo contrário. Na
verdade, ela o inibe.
Ainda que a insulina realmente tivesse esses efeitos, o que
os defensores do modelo carboidrato-insulina parecem esquecer é que as
proteínas também estimulam a secreção de insulina. De fato, as proteínas podem
ser tão insulinêmicas quanto alguns carboidratos. Em um estudo, bife e pão
integral tiveram a mesma resposta de secreção de insulina. O mesmo ocorreu com
peixe e arroz integral. E as duas proteínas foram maiores do que a massa, um carboidrato refinado.
Se os carboidratos fossem engordantes por causa da insulina,
a proteína também seria.
Os picos de insulina não são maléficos para nós. Eles são uma
resposta natural do organismo, tendo a importante função fisiológica de regular
os níveis de açúcar (glicose) no sangue. Como sabemos, essa resposta é bastante
prejudicada em indivíduos com diabetes tipo 2. O remédio exenatida (Byetta),
que restaura a resposta desse rápido pico de insulina em diabéticos, é
conhecido por melhorar o controle glicêmico nesses pacientes.
Segundo o MCI, a culpa pela obesidade e ganho de peso é da
insulina, contudo a exenatida, que aumenta a insulina em diabéticos, causa perda de peso. O
mesmo pode ser dito da droga liraglutida, que também atua como um análogo do
GLP1 (peptídio-1 similar ao glucagon), aumentando a insulina, e também causa grande perda de peso.
Mudança de peso com o uso de exenatida 5 ou 10 mcg ou placebo |
Mudança de peso com o uso de liraglutida (3mg) ou placebo em indivíduos normais e prediabéticos |
Se a insulina fosse realmente a principal causa da
obesidade, então esses remédios deveriam causar ganho de peso, e não perda.
O problema é que as pessoas confundem picos de insulina com
picos de glicemia (açúcar no sangue). Há evidências de que rápidos picos e quedas na glicemia estão associados a uma maior fome. Como esses picos de glicose causam um aumento na insulina, as
pessoas acabam culpando a insulina (e os efeitos dos carboidratos refinados na
insulina) pelo problema.
Agora, antes de você sair culpando os carboidratos pelo seu
apetite elevado, saiba que os efeitos dos carboidratos refinados (e de alimentos
ultraprocessados no geral) não parecem estar relacionados a seu índice glicêmico (IG). De fato, quando as dietas possuem
quantidades de fibras, proteínas e energia (kcal) idênticas, o IG e a quantidade de carboidratos parece não fazer qualquer diferença na perda de peso ou em outros desfechos relacionados à saúde, como sensibilidade à insulina, colesterol e pressão arterial.
Na maioria das vezes, o problema parece estar relacionado à densidade
energética (quantidade de energia por grama de peso). Alimentos
ultraprocessados (em sua maior parte) possuem muitas calorias em pequenas porções,
e são fáceis de se comer demais. Comidas com alta densidade energética também não
são tão saciantes quanto comidas com baixa densidade energética, sendo que o tamanho da porção consumida (e não o IG) é altamente relacionado à saciedade.
No MCI de obesidade, a insulina também é culpada por reduzir
a atividade da LHS (lipase hormônio-sensitiva), uma enzima que promove a quebra
da gordura nas células adiposas. E isso está correto; a insulina realmente inibe
a atividade da LHS, inibindo a lipólise. Contudo, a ingestão de gordura também suprime a LHS, mesmo com níveis de insulina baixos. Isso significa que você
não vai conseguir perder gordura, mesmo com um baixo consumo de carboidratos, se
você estiver em superávit calórico (comendo mais calorias do que gasta); e que
mesmo que você esteja em uma dieta de baixo carboidrato, você ainda precisa
comer menos calorias do que gasta para emagrecer.
Chega de Mecanismos, Vamos aos Fatos
A ideia de que comer carboidratos pode causar ganho de
gordura mesmo em um déficit calórico é completamente errada. De fato, se
quiséssemos testar essa teoria, bastaria colocar um determinado número de indivíduos
em duas dietas diferentes, uma alta em carboidratos e uma baixa em
carboidratos, mantendo as outras variáveis (energia, proteína, fibras, exercício,
etc.) constantes.
E adivinhe... isso já foi feito. Inúmeras vezes.
Hu et al (2018) demonstrou que variar a quantidade de carboidratos (10 a 80%) e
açúcar (5 a 30%) na dieta, não impactou significativamente a ingestão de comida
ou a composição corporal de ratos. Apenas a variação na ingestão de gordura (8 a 80%) foi
associada com maior consumo de comida e maior ganho de gordura. Sim, eu sei,
isso foi em ratos; e não somos ratos.
Talvez as melhores pesquisas em humanos que temos em
relação a isso tenham sido realizadas pelo Dr. Kevin Hall. Seu grupo realizou um dos ensaios clínicos mais precisamente controlados em uma prisão
metabólica, digo, uma câmara metabólica que já foi feito em relação à dieta low
carb. 19 indivíduos obesos passaram dois períodos de 14 dias praticamente treinando para o
lockdown em 2020, com sua ingestão e gasto energético meticulosamente controlados.
Os cientistas verificaram que a dieta com consumo reduzido de gorduras resultou
em maior perda de gordura quando comparado à redução dos carboidratos.
Perda de gordura na dieta reduzida em carboidratos (RC - losangos azuis) ou em gorduras (RF - quadrados vermelhos) |
Veja bem, mesmo com níveis de insulina mais elevados
(medidos durante o estudo), os voluntários perderam mais gordura quando consumiram
mais carboidratos. Uma refutação direta à hipótese do modelo carboidrato-insulina
de obesidade. E isso ocorreu apesar de a dieta restrita em carboidratos causar
uma maior queima de gordura como energia.
Defensores da low carb diriam que esse estudo foi muito
curto para detectar as vantagens de se cortar carboidratos. Então, Hall e
colegas fizeram outro estudo, dessa vez com duração de 4 semanas em cada dieta, primeiro alta em
carboidratos, depois baixa. Quando os sujeitos mudaram para a dieta baixa em
carboidratos (cetogênica, para ser mais preciso), a velocidade de perda de gordura diminuiu
inicialmente.
Variação na gordura corporal - observe a velocidade da perda de gordura diminuindo nos primeiros 15 dias de LC |
Para sermos justos, durante a dieta cetogênica os indivíduos
perderam peso bem rápido (-1,6 kg) nas primeiras duas semanas, principalmente devido
à perda de água corporal (que é contado como massa magra na composição corporal),
já que a perda de gordura foi de míseros 0,2 kg, como se vê no gráfico acima. Ao final dos 28 dias, os sujeitos
haviam perdido 2,2 kg, sendo 0,5 kg em gordura corporal.
Os pesquisadores também detectaram um maior gasto energético total (menos de 100 kcal/dia) durante a dieta cetogênica. Segundo eles, esse maior gasto energético pode ser explicado pela maior gluconeogênese (transformação de proteínas em glicose) e adaptações na mudança de combustível de glicose para corpos cetônicos, já que esse gasto foi maior na primeira semana após a troca de dieta e teve uma tendência de retornar gradualmente a valores normais no decorrer das 4 semanas, sendo considerado fisiologicamente irrelevante no longo prazo.
Os pesquisadores também detectaram um maior gasto energético total (menos de 100 kcal/dia) durante a dieta cetogênica. Segundo eles, esse maior gasto energético pode ser explicado pela maior gluconeogênese (transformação de proteínas em glicose) e adaptações na mudança de combustível de glicose para corpos cetônicos, já que esse gasto foi maior na primeira semana após a troca de dieta e teve uma tendência de retornar gradualmente a valores normais no decorrer das 4 semanas, sendo considerado fisiologicamente irrelevante no longo prazo.
O ponto mais importante aqui é que uma dieta baixa em
carboidratos parece não apresentar uma maior vantagem na perda de peso. Quanto
a isso, Kevin Hall (ele novamente) realizou uma metanálise
(uma análise estatística) de 32 estudos, em 2017, analisando todos os estudos
com ingestão energética controlada (onde todas as refeições foram fornecidas
aos participantes) comparando dietas mais baixas em gorduras (HCLF) a dietas
mais baixas em carboidratos (LCHF). O que eles verificaram é que, quando as dietas
são isocalóricas (mesma quantidade de kcal), tanto o gasto energético (-26
kcal/dia) quanto a perda de gordura (-16 g/dia) apresentam uma pequena vantagem
para a dieta mais alta em carboidratos e reduzida em gorduras. Apesar disso, os
resultados são tão pequenos a ponto de serem fisiologicamente insignificantes.
Outra metanálise,
envolvendo 19 estudos e 3209 participantes, dessa vez analisando dietas no
mundo real (i.e. sem os cientistas
fornecerem as refeições), também verificou que há pouca ou nenhuma diferença na
perda de peso e fatores de risco cardiovasculares (incluindo glicose em jejum)
em um período de até dois anos quando adultos com sobrepeso, diabéticos ou não,
são submetidos a uma dieta low carb ou uma dieta isoenergética com mais
carboidratos.
Da mesma forma, uma metanálise recente
envolvendo 23 estudos e 2178 indivíduos concluiu que não há diferença na perda
de peso, IMC (índice de massa corporal) e aderência baseada na quantidade de
gorduras ou carboidratos entre as dietas examinadas. Eles concluíram, contudo,
que dietas mais baixas em carboidratos resultaram em melhor controle glicêmico
(hemoglobina glicada), embora nessa metanálise tenham sido incluídos estudos
que não igualaram as calorias entre as dietas.
O Que Isso Significa Para Você
O peso das evidências não deixa dúvidas. A hipótese
carboidrato-insulina está morta e enterrada. Apesar disso, ela continua
voltando como aqueles zumbis de The Walking Dead e Resident Evil.
Dezenas de outros estudos que não cobrimos aqui mostram que,
quando as dietas têm calorias e proteínas equalizadas, não há diferença na
perda de peso entre low carb ou low fat.
Dietas cetogênicas também têm sido propostas como uma
alternativa viável para o emagrecimento por promoverem uma maior saciedade.
De fato, algumas pessoas realmente podem se sentir mais saciadas com uma dieta
low carb. O inverso também pode ocorrer, com algumas pessoas reportando maior
saciedade em uma dieta de baixa gordura ou mesmo em uma dieta vegetariana (HCLF).
O que faz uma dieta sustentável e mais fácil de aderir é a
preferência individual; e nenhuma das metanálises acima encontrou diferenças
significativas na aderência. Por quê? Porque isso varia de pessoa para pessoa.
Por mais clichê que possa parecer, a mensagem que fica é:
Encontre algo que funciona PARA VOCÊ.
A insulina, por sua vez, tem sido injustiçada há bastante
tempo, coitada. Ela ganhou uma má-fama não merecida, na minha opinião. Geneticamente,
uma maior secreção de insulina foi capaz de explicar 1-10% de variação no IMC, contudo os outros 90-99% não são explicados pela insulina.
E embora a insulina possa ter um pequeno papel na obesidade, ela
certamente não é a principal responsável por isso, como o modelo
carboidrato-insulina está tentando lhe fazer acreditar.
Fontes:
1. Krieger J.
Insulin...An Undeserverd Bad Reputation Series. Weightology - Articles/Fat
Loss. https://weightology.net/insulin-an-undeserved-bad-reputation/
2. Norton L, Baker P. Fat Loss Forever: How to Lose
Fat and Keep It Off. Biolayne.com. https://biolaynestore.com/collections/accessories/products/forever-fat-loss-how-to-lose-fat-and-keep-it-off
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