Banho de Gelo pode reduzir a síntese proteica e a hipertrofia muscular. Aprenda como usá-lo melhor.
Foto: Reprodução/Comercial H&M |
É comum, ao menos entre atletas, a prática de crioterapia. Depois
de treinos intensos ou de um evento competitivo, frequentemente atletas profissionais
e amadores mergulham, durante alguns minutos, boa parte de seu corpo em águas
congelantes – normalmente em uma banheira, piscina ou barril com gelo.
Sim, há outras formas de crioterapia, mas essa em especial virou moda recentemente, e vem sendo adotada por pessoas
comuns e até mesmo celebridades sem qualquer histórico de prática de exercícios
físicos extenuantes. Então, quando falarmos em crioterapia neste artigo,
considere-a exclusivamente como a imersão em água gelada.
Mas, por que eles estão fazendo isso?
A imersão em água gelada, por seus efeitos na diminuição da
temperatura tecidual e do fluxo sanguíneo (devido à vasoconstrição), tem sido sugerida para
redução da dor muscular tardia, edemas, inchaços e melhora na recuperação da
performance e função muscular, contudo nem todos os estudos mostram benefícios
na recuperação pós-exercício¹. Ela também, supostamente, diminui a inflamação e
auxilia na recuperação de lesões.
Porém, de acordo com novos estudos, você provavelmente
deveria evitar o banho de gelo se você pratica musculação com o objetivo de
#fikagrandeporra.
Banho de Gelo Diminui a Síntese Proteica
O consumo de proteína, assim como a imersão em água gelada,
são algumas das estratégias empregadas por atletas para auxiliar na recuperação
após o exercício, mas nós não sabíamos como elas interagiam entre si. Pensando
nisso, Fuchs e colegas, em um estudo publicado em 2019, investigaram os efeitos da
crioterapia na síntese proteica.
A síntese proteica é o processo pelo qual o corpo gera novas
proteínas a partir de aminoácidos disponíveis, normalmente ingeridos através da
alimentação ou suplementação. Quando ele ocorre nas fibras musculares
(miofibrilas), é chamado de síntese proteica miofibrilar, e corresponde ao
próprio processo de construção de músculos.
Nesse estudo, eles testaram a resposta aguda da síntese
proteica de 12 homens jovens destreinados submetidos a uma sessão de treino de
pernas com 4 séries de 8-10 repetições, com carga de 80% de 1RM, no Leg Press e
Extensão de Joelhos. O treino foi imediatamente seguido pela imersão, durante
20 minutos, de uma das pernas de cada participante em água gelada (8ºC) e a
outra em água à temperatura normal (30ºC). Depois disso, eles tomaram um
suplemento contendo 20g de proteína do leite (contendo aminoácidos marcados
isotopicamente) + 45g de carboidratos.
Através de biópsias musculares de ambas as pernas, eles verificaram
que a crioterapia pós-treino diminuiu a incorporação dos aminoácidos ingeridos através
da suplementação nos músculos em até 26%, além de uma redução na síntese
proteica miofibrilar pós-prandial (i.e. após a refeição - que no caso foi o
suplemento) de quase 20% ao longo de 5h de recuperação pós-exercício.
Eles também verificaram a resposta crônica a esse
procedimento. Os indivíduos repetiram o treino de pernas 3 vezes por semana ao
longo de duas semanas, sempre seguidos pelos 20 minutos de imersão de uma perna
em água gelada e da outra em água com temperatura normal, bem como da
suplementação especial. Os
pesquisadores verificaram que a aplicação repetitiva de crioterapia após o treino
diminuiu a síntese proteica miofibrilar diária em cerca de 12% ao longo das
duas semanas.
Segundo os autores, esses dados indicam que a crioterapia pós-exercício
atenua as respostas das adaptações musculares ao treino, podendo comprometer sua
eficácia.
O estudo também verificou a expressão dos marcadores
inflamatórios IL-6 (Interleucina 6) e TNF-α (Fator de Necrose Tumoral Alfa) e não
encontrou diferenças entre as pernas. Esses achados, em linha com estudos anteriores,
desafiam a ideia de que a imersão em água gelada pode reduzir a inflamação
localizada.
Banho Gelado Reduz a Hipertrofia
Os efeitos de longo prazo da imersão em água gelada parecem
confirmar as respostas agudas.
Um estudo conduzido
por pesquisadores australianos comparou os efeitos da crioterapia vs. recuperação ativa nos ganhos de massa muscular e força em 21 homens jovens destreinados após 12 semanas de
treino de força para membros inferiores (2x por semana). A crioterapia
consistiu em sentar-se em uma piscina com água a 10ºC até a altura do peito
durante 10 minutos. O grupo da recuperação ativa apenas pedalou por 10 minutos em
baixa intensidade numa bicicleta ergométrica.
Houve maior aumento de força (~15%) e massa muscular (~7%) no
grupo submetido à recuperação ativa em comparação ao grupo que fez crioterapia.
Similarmente, apenas o grupo da recuperação ativa apresentou um aumento
significativo na área de secção transversa (tamanho) das fibras musculares tipo
II (+17%) e número de mionúcleos (+17 a 26%).
Ainda no mesmo estudo, outro experimento verificou o efeito agudo da crioterapia 2, 24 e
48 horas após o treino. Os dados encontrados sugerem que a crioterapia atenua o
aumento do número de células satélite no músculo e a atividade de proteínas que
regulam a hipertrofia muscular (no eixo mTOR).
Dessa forma, o uso regular de
crioterapia como estratégia de recuperação, na opinião dos autores, deveria ser reconsiderado.
Outro estudo,
feito com 16 homens jovens destreinados, verificou que 15 minutos de crioterapia
a 10ºC atenuou a resposta anabólica a um treino full body (para o corpo todo) de musculação, repetido 3 vezes por
semana durante 7 semanas. O grupo controle (recuperação passiva) apresentou um aumento
significativamente maior nas fibras musculares tipo II (de contração rápida),
quando comparado ao grupo da crioterapia. Esses resultados coincidiram com uma
sinalização anabólica atenuada (do complexo mTOR 1) no grupo submetido à
imersão em água gelada, assim como a um aumento nos níveis de marcadores de
degradação proteica (catabolismo muscular) nesse grupo.
No entanto, não foram verificadas diferenças na composição
corporal (massa magra e gordura), avaliada por DEXA (embora esse não seja um
bom método para identificar pequenos ganhos em hipertrofia muscular). Diferentemente do estudo
anterior, a crioterapia não atrapalhou os ganhos de força, visto que ambos os
grupos aumentaram as cargas no teste de 1RM no leg press e no supino, sem
diferenças significativas entre os grupos.
Os autores ponderam que, quando o objetivo é hipertrofia,
talvez seja melhor evitar a imersão em água gelada como uma técnica de recuperação
pós-treino.
O Que Isso Significa Para Você
Eu sei... entrar em uma banheira com gelo e aguentar o frio no
osso parece foda. Te faz parecer durão. Dá uma bela foto nas redes sociais também.
No entanto, isso não apenas encolhe suas partes baixas como
aparentemente também “encolhe” seus músculos.
A crioterapia prejudica a sinalização anabólica, tem um
efeito deletério na resposta das células satélite e suprime a biogênese ribossomal,
todos fatores importantes na regulação do crescimento muscular.
A imersão em água gelada pode ajudar a reduzir a dor
muscular e acelerar a recuperação para uma próxima sessão de treino, contudo os
estudos mostram que isso pode custar o crescimento dos seus músculos.
Por outro lado, o uso ocasional da crioterapia provavelmente
não vai causar um impacto significativo na hipertrofia, assim ela pode ser uma
opção viável para quando você estiver com muita dor muscular ou em cenários de competições (especialmente aquelas com intervalos curtos entre eventos). Contudo, a
prática frequente pode prejudicar seus resultados caso seu objetivo seja
crescer, então guarde-a somente para situações extremas.
Fontes:
1. Fuchs CJ,
Kouw IWK, Churchward‐Venne TA, et al. Postexercise cooling impairs muscle
protein synthesis rates in recreational athletes. J Physiol. 2020;598(4):755-772.
2. Roberts LA,
Raastad T, Markworth JF, et al. Post-exercise cold water immersion attenuates
acute anabolic signalling and long-term adaptations in muscle to strength
training. J Physiol. 2015;593(18):4285‐4301.
3. Fyfe JJ,
Broatch JR, Trewin AJ, et al. Cold water immersion attenuates anabolic
signaling and skeletal muscle fiber hypertrophy, but not strength gain,
following whole-body resistance training. J Appl Physiol (1985).
2019;127(5):1403‐1418.
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