Entenda os problemas das proteínas vegetais e as possíveis formas de contornar suas deficiências.
Antes de mais nada, como recentemente disse Warren Buffet,
“não sou, nunca fui e não tenho a intenção de ser”...no meu caso, vegetariano
(no caso dele, acionista do IRB).
Mas, recentemente, tenho visto um número cada vez maior de
pessoas interessadas em dietas à base de plantas (plant-based), isto é, dietas
vegetarianas ou veganas basicamente.
Não sei se isso se deve à onda de documentários no Netflix
contra o consumo de carne, sendo “Dieta de Gladiadores” o exemplo mais recente;
um “documentário” que mistura desinformação, supressão de evidências,
sensacionalismo e disseminação de medo para tentar provar que uma dieta vegana
é melhor para a performance esportiva e que se você fizer o contrário você terá
um infarto amanhã mesmo. Esse documentário já foi desmascarado
várias vezes nos últimos meses, então não é minha ideia fazer isso aqui; até
porque eu não quero discutir religião.
E embora não haja evidências de que uma dieta vegetariana
seja mais saudável do que uma dieta onívora (quando equalizadas em
macronutrientes e energia), eu entendo que algumas pessoas optem por esse tipo
de dieta por questões éticas, como a não-exploração dos animais.
Levando isso em conta, é importante discutirmos as
evidências negativas sobre o consumo de proteínas em dietas à base de plantas,
vegetarianas ou veganas, bem como alguns possíveis meios de contornar essas
deficiências.
Por Que Isso É Importante
Um estudo
conduzido na Europa demonstrou que indivíduos ovolactovegetarianos consumiam
apenas cerca de 1,04 gramas de proteína por kg de peso corporal ao dia. Os
veganos apresentaram dados ainda piores, ingerindo apenas 0,99 g/kg. Mas sejamos
justos; nesse estudo, nem mesmo o grupo que consumia carne conseguiu passar de
1,28 g/kg¹.
E embora isso seja superior às recomendações de proteína diária
da OMS (0,8 g/kg), já vimos que há benefícios em consumir até 1,6 g/kg de proteína ao dia, principalmente para
indivíduos que praticam exercícios físicos, musculação em especial.
Outro ponto importante é a tendência mundial de
envelhecimento da população. Uma das consequências do envelhecimento é a perda de
massa muscular e força, conhecida como sarcopenia,
que em estágios avançados pode levar à incapacidade funcional e aumento do
risco de mortalidade. Para piorar o quadro, é comum idosos consumirem menos comida
em geral, resultando em uma menor ingestão de proteínas. Um estudo demonstrou
que 46% dos idosos acima de 71 anos não atingiam as recomendações mínimas de proteína (0,8 g/kg ao dia), mesmo não sendo
vegetarianos.
Como a massa muscular é regulada tanto pela síntese proteica
muscular quanto por sua degradação; e considerando que os dois principais
estímulos anabólicos que aumentam a síntese proteica muscular (SPM) são o
consumo de proteínas e o exercício resistido (i.e. musculação); quando juntamos o vegetarianismo/veganismo e o
envelhecimento temos uma bomba-relógio para tentar desarmar.
Então, vamos ver os principais problemas que temos pela
frente.
Proteínas Vegetais vs. Animais
As evidências científicas indicam que a qualidade das
proteínas vegetais é, provavelmente, inferior à das proteínas animais. A
maioria das proteínas de fontes vegetais apresenta uma biodisponibilidade de 10
a 40% menor, em média, do que as proteínas de fontes animais.
Um dos métodos mais utilizados para avaliar a qualidade das
proteínas é o escore de aminoácidos corrigido pela digestibilidade das
proteínas, ou PDCAAS. Porém, ao invés do potencial anabólico da fonte proteica,
esse método apenas nos mostra qual a quantidade mínima de nitrogênio e
aminoácidos (que constituem as proteínas) necessária para prevenir deficiências
de proteína corporal. Aqui está o PDCAAS de algumas fontes proteicas:
Dê uma olhada na carne e na soja. Ambas têm um PDCAAS bem
parecido (0,93 vs. 0,92), então você esperaria
que comer soja fosse tão eficiente quanto comer carne para estimular a síntese
proteica muscular, certo? No entanto, de acordo com os dados de um estudo, consumir 113g
de proteína da carne foi melhor do que consumir a mesma quantidade de proteína
da soja para estimular a SPM em homens de meia idade.
Comparado às proteínas animais, as proteínas vegetais
possuem menor digestibilidade (45 a 80%), contudo, quando elas são purificadas
(livres de antinutrientes - como a proteína isolada da soja e proteína
concentrada de ervilha), sua digestibilidade fica similar às proteínas animais
(>90%). Ainda assim, as proteínas vegetais (mesmo as purificadas) são
oxidadas e convertidas em ureia mais rapidamente do que as animais, o que
diminui sua capacidade de estimular a SPM. Tal fato pode estar relacionado à
falta de aminoácidos essenciais específicos².
Os Aminoácidos Limitantes
Nem toda proteína é criada da mesma forma; cada proteína é
constituída por uma combinação de diferentes aminoácidos (que são os tijolos
que constroem as proteínas).
Os aminoácidos essenciais (AAE) são aqueles que nosso
organismo não é capaz de sintetizar, mas que são necessários para o seu
funcionamento, devendo ser obtidos por meio da dieta. Temos nove AAE: Leucina,
Isoleucina, Valina, Metionina, Lisina, Fenilalanina, Treonina, Triptofano e
Histidina.
Porém, a maioria das proteínas vegetais é deficiente em algum (ou alguns) AAE, especialmente
lisina, metionina e/ou a própria leucina. Isso resultaria, após a digestão, em
maior concentração de aminoácidos no fígado e menor disponibilidade deles na
circulação para estimular a síntese proteica e chegar aos músculos.
Por exemplo, o milho e o trigo são deficientes em lisina, assim como arroz, aveia e
cânhamo, que são relativamente pobres (abaixo do recomendado) nesse aminoácido.
A lisina costuma ser o aminoácido limitante em cereais.
Já a lentilha e a soja são deficientes em metionina, e o feijão preto e a ervilha
possuem apenas metionina suficiente para não serem considerados deficientes. A
metionina costuma ser o aminoácido limitante em leguminosas.
Ainda assim, as quantidades tanto de lisina quanto de
metionina das proteínas vegetais são menores, na média, do que as encontradas
nas proteínas animais.
Para se ter uma ideia, as necessidades mínimas diárias
de lisina seriam equivalentes a ~4,5% da quantidade total de proteína consumida
ao dia (ou 30-45 mg/kg de peso corporal*). Em relação à metionina, essa
necessidade diária mínima seria de ~1,6% da quantidade de proteína ingerida (ou 10-16
mg/kg*). Aqui está um gráfico que pode ajudar a entender isso:
As linhas pontilhadas horizontais dos dois gráficos referem-se
à quantidade mínima recomendada de lisina/metionina. Quando a barra do gráfico
de uma determinada proteína não atinge a linha pontilhada significa que ela é
deficiente naquele aminoácido. Os alimentos listados no gráfico são, nessa ordem, spirulina, micoproteína, lentilha, quinoa, feijão preto, milho, soja, ervilha, arroz, aveia, cânhamo, batata, trigo, whey, leite de vaca, caseína, carne, ovo, bacalhau e músculo humano, este último apenas a título de comparação (a menos que você seja adepto do canibalismo).
Interessantemente, as fontes de proteína vegetal deficientes
em lisina, normalmente são suficientes em metionina e vice-versa. Isso sugere
que a combinação de diferentes proteínas vegetais pode ser uma boa solução para
contornar o problema dos aminoácidos limitantes.
Repare que também existem proteínas vegetais completas, ou seja, suficientes em todos os aminoácidos essenciais, como a quinoa, mas isso não é a regra.
Repare que também existem proteínas vegetais completas, ou seja, suficientes em todos os aminoácidos essenciais, como a quinoa, mas isso não é a regra.
* Conforme recomendações da OMS/FAO. Tenha em mente que essas
recomendações são mais conservadoras, e consideram a quantidade mínima
necessária para um balanço nitrogenado em equilíbrio.
A Falta de Leucina em Proteínas Vegetais
De todos os AAEs, a leucina é considerada o aminoácido mais importante para estimular a SPM.
Já falamos bastante sobre o limiar de leucina neste artigo;
basicamente, você precisa de uma quantidade mínima de leucina para estimular a
síntese proteica muscular e uma quantidade um pouco maior para maximizá-la, não
adiantando aumentar a ingestão após esse ponto. E embora a concentração de
leucina por grama de proteína não seja tão diferente entre as proteínas de
fontes vegetais vs. animais (média de
6-8% vs. 8,5-9%), normalmente é
necessário ingerir uma quantidade muito maior de um alimento de fonte vegetal
para conseguir alcançar a mesma quantidade de proteína consumida através de uma
fonte de origem animal. Dê uma olhada no gráfico abaixo:
Por exemplo, enquanto o arroz e o ovo têm concentrações de
leucina bem parecidas por grama de proteína, para conseguir atingir ~3g de
leucina você precisaria comer uns 6 ovos (cerca de 36g de proteína e, em média,
440 kcal); só que para fazer o mesmo comendo arroz branco você precisaria de
incríveis 1,5kg de arroz cozido (~37g de proteína e mais de 1900 kcal). Isso
seria quase impossível de ser consumido em uma única refeição.
Mas sejamos justos com as proteínas vegetais, se usássemos o
feijão preto para essa comparação (que tem uma concentração de leucina
semelhante), seriam necessários cerca de 700g de feijão cozido para atingir
aproximadamente 36g de proteína, e 577 kcal no total. Ainda é bastante, mas melhorou, né?
Então, aumentar a quantidade de comida ingerida é uma
possível solução, mas como isso também vai aumentar a quantidade de calorias totais consumidas, ela nem sempre é a melhor.
Qual a Solução Então
Vários estudos indicam que há uma menor síntese proteica
muscular após o consumo de proteínas vegetais comparado a proteínas animais,
como whey protein e proteína da carne e leite. Um estudo recente também
demonstrou que o consumo de três “blends” diferentes de proteínas vegetais,
ainda que equalizados com a mesma quantidade de leucina e AAEs, resultou em
menores níveis de AAEs no sangue quando comparado ao consumo de whey protein isolado.
Apesar disso, alguns estudos longitudinais que forneceram
uma maior quantidade de proteínas vegetais para os participantes, em conjunto
com o treino de musculação, foram capazes de minimizar as diferenças nos ganhos
de massa magra entre grupos que consumiram proteínas animais vs. vegetais².
Um estudo
apontou algumas possíveis estratégias para aumentar as propriedades anabólicas
das proteínas vegetais. Essas são as sugestões deles:
- Aumentar a Quantidade de Proteína
Norton e colegas demonstraram, em ratos, que um aumento de 30% de proteína (do trigo) consumida na dieta foi capaz de maximizar a SPM. Porém, o aumento de 10 e 20% da proteína vegetal na dieta não atingiu os mesmos resultados que o consumo de proteína animal (whey)².
Visto que as proteínas vegetais têm uma menor quantidade de
leucina, maiores quantidades dessas proteínas deveriam ser ingeridas para
maximizar a resposta da SPM. Especialmente em idosos, o consumo de doses de
proteína de 40g ou mais por refeição parecem ser benéficos.
Só que, às vezes, isso pode ser bem difícil de se conseguir numa dieta
vegana. O que nos leva a nossa segunda estratégia.
- Fortificação/Suplementação com Leucina
Visto que o principal aminoácido responsável pela resposta da SPM é a leucina, a fortificação das proteínas com leucina ou a sua própria suplementação podem ser estratégias válidas para aumentar a resposta anabólica à uma refeição.
Como a suplementação de leucina sozinha pode levar a uma
depleção nos outros aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs), ainda que não de
forma relevante, a suplementação com BCAA, ao invés de leucina pura, pode ser
uma outra opção.
Layne Norton e colegas (@biolayne) demonstraram que a adição de leucina à
proteína do trigo (igualando-a à quantidade de leucina presente no whey protein)
foi capaz, em ratos, de equalizar a resposta da SPM entre a ingestão de
proteína vegetal vs. animal (trigo vs. whey).
Vimos que as proteínas vegetais possuem cerca de 5 a 8% de leucina em sua composição. Como cerca de ~3g de leucina são necessários para maximizar a
SPM, você pode multiplicar a quantidade de proteína consumida em sua refeição por 0,05 (considerando o pior cenário, de 5%), encontrando a quantidade presumida de leucina consumida nessa refeição. Por exemplo, se você consumiu 30g de proteína vegetal, em uma das piores hipóteses, você teria consumido 1,5g de leucina (30 x 0,05).
Assim, agora você sabe que precisa suplementar mais ou menos 1,5g de leucina extra (alcançando ~3g totais de leucina) para maximizar a resposta anabólica de sua refeição.
Se quiser um cálculo mais específico, você pode utilizar 0,05g de leucina por kg de peso corporal, e tentar consumir essa quantidade por refeição.
Assim, agora você sabe que precisa suplementar mais ou menos 1,5g de leucina extra (alcançando ~3g totais de leucina) para maximizar a resposta anabólica de sua refeição.
Se quiser um cálculo mais específico, você pode utilizar 0,05g de leucina por kg de peso corporal, e tentar consumir essa quantidade por refeição.
- Misturar Diferentes Fontes de Proteína
Resolvido o problema da falta de leucina, ainda é necessário contornar o problema dos aminoácidos limitantes.
A combinação de diferentes proteínas vegetais,
principalmente cereais e leguminosas, pode fornecer quantidades suficientes de
lisina e metionina em uma refeição. Os cereais (arroz, trigo, aveia, milho, etc.), normalmente, são deficientes em
lisina, porém suficientes em metionina. As leguminosas (lentilha, soja,
ervilha, feijões, etc.), ao
contrário, normalmente apresentam lisina suficiente, mas são deficientes em
metionina. Combinar essas duas classes de alimentos pode ajudar a aumentar a
resposta anabólica das proteínas vegetais.
Se a combinação de diferentes fontes de proteína vegetal em
uma mesma refeição pode ajudar a equilibrar o perfil de aminoácidos ingeridos e
melhorar a resposta da SPM, para os ovolactovegetarianos, que podem consumir uma
combinação de proteínas vegetais e animais (ovo e leite - que são proteínas completas em AAEs), essa tarefa
certamente fica mais fácil.
Outra opção sugerida no estudo é procurar consumir proteínas
vegetais que não sejam deficientes em aminoácidos essenciais, seja pela fortificação
delas com lisina/metionina (ou qualquer outro aminoácido limitante) ou pelo
melhoramento genético das plantas para que não apresentem deficiências de AAEs.
Se isso é facilmente encontrado no mercado brasileiro já são outros quinhentos.
O Que Isso Significa Para Você
Você PODE maximizar as respostas anabólicas mesmo sendo vegetariano
ou vegano, mas, provavelmente, isso vai requerer o consumo de uma maior
quantidade de proteína total por dia e uma dieta mais bem planejada. Leguminosas e oleaginosas são fontes mais ricas de proteína do que os cereais, porém alguns alimentos de qualquer dos três grupos podem ter um perfil de AAEs incompleto/deficiente, sendo prudente complementá-los com outras fontes de proteína, preferencialmente de um tipo de alimento diferente.
Indivíduos consumindo uma dieta ovolactovegetariana parecem
ter uma vantagem sobre os veganos, já que as proteínas do ovo e, principalmente,
do leite parecem ter maior efeito anabólico.
Considerando a prática de exercícios físicos, especialmente musculação,
deve-se procurar ingerir, no mínimo, a quantidade ótima de proteína para maximizar os ganhos de força e massa muscular - 1,6 g
de proteína por kg de peso corporal. Caso você use apenas fontes proteicas
vegetais, consumir quantidades ainda maiores (1,8 a 2,2 g/kg) pode ser benéfico.
Idosos também deveriam tentar ingerir quantidades maiores de proteína, já que sua resposta anabólica é atenuada, principalmente
se as únicas fontes proteicas consumidas forem de origem vegetal.
Seguem informações sobre algumas opções de proteínas vegetais:
Alimento
|
Proteína
(g/100g) |
Seitan
|
75
|
Amêndoas
|
21
|
Sementes de Girassol
|
21
|
Tempeh
|
19
|
Semente de abóbora
|
19
|
Gergelim
|
18
|
Castanha de Caju
|
17
|
Aveia
|
16
|
Nozes Pecãs
|
15
|
Castanha do Pará
|
14
|
Edamame (soja verde)
|
11
|
Grão-de-Bico
|
10
|
Lentilha
|
9
|
Pão Integral
|
9
|
Tofu
|
8
|
Feijão Preto
|
5
|
Ervilhas
|
5
|
Massa Integral
|
5
|
Quinoa
|
5
|
Cogumelos
|
3
|
Arroz Parboilizado
|
3
|
Pinhão
|
3
|
Como última dica, fica a sugestão de dividir igualmente o
conteúdo de proteína diário total em 4 ou 5 refeições e consumi-las mais ou
menos uniformemente espalhadas ao longo do dia.
Se você já tem experiência com esse tipo de dieta,
compartilhe suas próprias estratégias nos comentários abaixo.
Fontes:
1. Mariotti F,
Gardner CD. “Dietary Protein and Amino Acids in Vegetarian Diets-A Review”.
Nutrients. 2019 Nov 4;11(11). pii: E2661.
2. van Vliet
S, Burd NA, van Loon LJ. “The Skeletal Muscle Anabolic Response to Plant-
versus Animal-Based Protein Consumption”. J Nutr. 2015 Sep;145(9):1981-91.
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