O que testes salivares de testosterona podem nos dizer sobre como você deve treinar para ter melhores resultados? Descubra aqui.
“Você é único e não há ninguém
igual a você” – já diria Augusto Cury.
Cada um de nós tem respostas
diferentes para uma mesma pergunta.
Cada um possui gostos e
habilidades diferentes e tem diferentes experiências de vida.
Com o treinamento físico é a
mesma coisa.
Cada um de nós apresenta
respostas diferentes a diferentes tipos de treino. E gosta de diferentes tipos
de exercícios também. Alguns gostam de aeróbio (cardio), outros de esportes coletivos,
e outros gostam de fazer força (no caso, nós).
Então, quando o assunto é treino
de força (ou musculação), como saber exatamente qual o tipo de treino certo
para você?
Pior ainda, como que, sem lhe
conhecer, eu posso lhe dar alguma ideia sobre qual o seu tipo de treino ideal?
Boa pergunta... Eu não posso!
Mas, aparentemente, um grupo de
cientistas neozelandeses pode ao menos lhe ajudar a descobrir isso, assim como
eles fizeram com jogadores de rugby em 2008.
O Que Eles Fizeram
Os pesquisadores desenharam um
estudo um pouquinho complicado de entender, mas muito legal. Ele funcionou mais
ou menos assim:
Eles recrutaram 16 jogadores
amadores de rugby, todos eles com no mínimo 2 anos de experiência em treino
resistido (i.e. musculação), e os
submeteram a quatro diferentes protocolos de treino para testarem as respostas de
sua testosterona salivar.
Todos os protocolos utilizavam os
mesmos quatro exercícios (supino, leg press, remada baixa e agachamento),
diferindo apenas no esquema de séries/repetições/carga/descanso, que eram os
seguintes:
- Treino de Força: 3 séries de 5 repetições (3x5) a 85% de 1 Repetição Máxima (1RM) com intervalos de 3 minutos entre as séries;
- Treino de Hipertrofia (Fisiculturismo): 4x10 a 70% 1RM com intervalos de 2 minutos;
- Treino de RML (Resistência Muscular Localizada): 5x15 a 55% 1RM com intervalos de 1min;
- Treino de Potência: 3x5 a 40% 1 RM com intervalos de 3min, porém realizando os levantamentos na maior velocidade possível.
No início do estudo, todos os
indivíduos realizaram testes em cada um dos treinos, em ordem aleatória, em
duas ocasiões diferentes, com no mínimo dois dias de intervalo entre cada
protocolo.
Os pesquisadores coletaram saliva
dos participantes logo antes do exercício e 5 minutos depois de completada a
sessão.
Então eles testaram a
concentração de testosterona em cada amostra de saliva, a fim de identificar
para qual protocolo de treino cada indivíduo demonstrava a melhor resposta
aguda (testosterona mais alta) e também a pior resposta (testosterona mais
baixa).
Depois disso, eles colocaram
metade dos sujeitos para fazer um treino com o protocolo que causou a melhor
resposta (Tmax), enquanto a outra metade realizava o treino que causou a pior
resposta da testosterona (Tmin).
Esse período de treinamento durou
três semanas, sendo o treino repetido 2 vezes por semana.
Eles usaram cargas progressivas
(quando possível) a cada semana para estimar as variações de 1RM. Embora esse
não seja um método muito confiável, eles realmente testaram o 1RM no leg press
e no supino antes, durante (após as 3 primeiras semanas de treino) e depois do
estudo.
Ao fim desse primeiro bloco de 3
semanas, os pesquisadores testaram novamente as respostas da testosterona
salivar de cada participante para ver se elas continuavam as mesmas (apenas 2
indivíduos tiveram respostas inconsistentes). Depois, eles tiveram um período
de 5 dias de descanso, totalizando duas semanas de “destreino”.
-
Então eles trocaram a ordem dos
grupos, o que significa que esse estudo teve um modelo cruzado (cross-over):
O grupo que tinha iniciado com o
protocolo Tmax, passou a fazer o protocolo Tmin, ao longo das 3 semanas
seguintes, e vice-versa.
Citando um exemplo (que
realmente ocorreu no estudo):
Digamos que, durante os testes,
os cientistas verificaram que o Joãozinho apresentou a maior resposta de
testosterona (Tmax) ao treino de potência e a pior (Tmin) ao treino de
hipertrofia (isso, de fato, aconteceu com dois indivíduos).
Se Joãozinho estivesse no grupo
1, ele teria treinado potência nas três primeiras semanas e hipertrofia nas
três últimas. Agora, se ele estivesse no grupo 2, sua ordem teria sido ao
contrário, começando o treinamento pelas sessões de hipertrofia e finalizando o
estudo com o treino de potência.
-
Ao final, eles retestaram o 1RM e
a testosterona salivar (outros 2 indivíduos também tiveram respostas
inconsistentes).
Segundo os autores, as medições
de testosterona salivar são confiáveis e apresentam alta correlação com os
níveis séricos de testosterona. Além disso, a testosterona salivar corresponde
apenas à testosterona livre, ou seja, àquela parcela de testosterona disponível
para ligar-se aos receptores andrógenos e modular as respostas fisiológicas e
funcionais.
O Que Eles Encontraram
Embora os autores não tenham reportado
a maioria dos dados crus obtidos no estudo e/ou tenham deixado de representá-los
em seus gráficos, foi possível verificar algumas tendências quanto à força e
peso corporal dos participantes.
Reproduzi os dados nos gráficos
abaixo e tomei a liberdade de preencher as lacunas com a continuação das
tendências ou mesmo deixando o valor idêntico ao da semana anterior.
A área em verde corresponde às 3 semanas de
protocolo Tmax, enquanto a área vermelha corresponde ao treino do protocolo
Tmin. Já a área em cinza corresponde ao período de intervalo entre os
protocolos (retestes e descanso).
Gráfico do Grupo 1: Primeiro Tmax depois Tmin |
No Grupo 1, que treinou usando primeiro o
protocolo que maximizou a resposta de testosterona (Tmax), os pesquisadores
verificaram nas primeiras 3 semanas um aumento de quase 7% na força muscular (sendo
que o aumento do 1RM no leg press chegou a 9%), além de um aumento de ~1,7% no
peso corporal.
Quando eles mudaram o treino para o protocolo que
apresentou as menores respostas de testosterona (Tmin), eles apresentaram um
pequeno declínio na força (que chegou a -4% no leg press), mas ainda assim
acabaram com um saldo positivo cerca de 6,2% de ganho de força, em média. Em
compensação eles acabaram com um peso corporal cerca de 0,9% menor do que no
início do estudo.
Gráfico do Grupo 2: Primeiro Tmin depois Tmax |
O Grupo 2, que iniciou o
treinamento pelo protocolo Tmin, apresentou um declínio de cerca de 3,2% na
força (4% no leg press) e uma leve perda de peso não significativa nas
primeiras três semanas.
Após mudarem o treino para o
protocolo Tmax, eles apresentaram um aumento significativo na força,
finalizando o período de treino com um aumento de força de 6,5%, em média (10%
no leg press), em relação ao início do estudo. Eles também ganharam peso,
finalizando o estudo com um aumento de cerca de 2,2% no peso corporal em relação ao peso
inicial.
Esses dados nos dão uma ideia geral
dos resultados médios de todo o grupo, mas o legal é que, como o estudo
consistia de uma amostra pequena, os autores conseguiram reportar alguns
resultados individuais:
No grupo 1, todos os 8 atletas
ganharam força e aumentaram o peso corporal durante o protocolo Tmax. Quando
eles mudaram para o protocolo Tmin, 4 atletas apresentaram declínio na força e
peso corporal, 2 não apresentaram diferenças significativas e 2 tiveram pequenos (porém significativos) ganhos
de força e peso corporal.
O interessante é que esses dois últimos indivíduos demonstraram inconsistências nos testes de testosterona salivar durante
o estudo. No início do estudo o protocolo Tmax de um deles era o treino de
força e o Tmin o treino de potência; na metade do estudo as respostas mudaram,
sendo que o Tmax passou a ser o treino de hipertrofia e o Tmin o de RML (o
treino, porém, não mudou); ao fim do estudo ele voltou a apresentar as mesmas respostas
do início. O outro caso foi ainda pior, já que no início e no meio do estudo
seu protocolo Tmax era o treino de RML e o Tmin o de hipertrofia; porém ao fim
do estudo o treino de hipertrofia foi o protocolo que apresentou a melhor
resposta (Tmax) e o Tmin passou a ser o treino de potência.
No grupo 2, durante as primeiras
3 semanas (protocolo Tmin), 5 atletas apresentaram perda de força e peso corporal,
um não apresentou diferenças significativas e 2 tiveram pequenos ganhos; desses
dois, um deles apresentou inconsistências nas respostas de testosterona salivar
durante o estudo. Após a mudança para o protocolo Tmax, todos os 8 atletas aumentaram
força e peso corporal.
Ou seja:
- 4 dos 16 atletas tiveram um pequeno ganho de força/peso em seu pior protocolo (Tmin), contudo três desses caras também apresentaram inconsistências quanto às suas respostas aos testes de testosterona salivar;
- 9 dos 16 participantes apresentaram declínios na força e redução do peso corporal no seu pior protocolo;
- Em 12 dos 16 voluntários o teste de testosterona salivar apresentou resultados consistentes durante todo o estudo quanto ao melhor (Tmax) e pior (Tmin) protocolos de treino;
- TODOS os atletas ganharam força em seu melhor protocolo de treino (Tmax).
O Que Isso Significa Para Você
Claro que esse estudo tem
diversas limitações.
Primeiro, ele foi bem curto,
sendo que cada período de treino durou apenas três semanas, e teve uma amostra
pequena e restrita (16 atletas de rugby).
Outro problema é que os
pesquisadores utilizaram o peso corporal ao invés de medidas mais confiáveis de composição corporal (como
ressonância magnética, ultrassom, DEXA, etc.), então não há como saber se o aumento de peso correspondeu
a músculos, massa magra ou gordura, mas, no fim das contas, esse não era um
estudo sobre hipertrofia.
E embora eles não tenham
reportado os valores (em kg) de 1RM dos exercícios testados (supino e leg
press), um aumento de força de 7 a 10% em três semanas é bem substancial; ainda mais
considerando que esses atletas tinham pelo menos dois anos de treino nas costas.
Conforme os autores:
“Os dados apresentados no presente
estudo sugerem que a maioria dos ganhos dos atletas foram melhorados, tanto em
termos de força quanto de peso corporal, quando realizando o protocolo Tmax”.
Bem, é verdade que alterações
agudas na testosterona (e outros hormônios anabólicos) parecem não ter muito efeito na força e hipertrofia como
achávamos antigamente, e os autores parecem reconhecer isso, vide este trecho
do estudo:
“Isso não prova que a Testosterona
é o causador desse ganho, mas demonstra claramente que a Testosterona pode ser
usada como um marcador para a seleção de protocolos que maximizem os ganhos
funcionais”.
Eles também reconhecem que, ao
longo do tempo, a escolha do protocolo pode ter de variar dependendo de outros
fatores. Além disso, é improvável que um indivíduo continue indefinidamente respondendo
de forma máxima a um mesmo tipo de treino.
No fim, o que esse estudo
realmente sugere é que um teste periódico da resposta da testosterona a
variados protocolos de treino pode ajudar a escolher um treino otimizado que
maximize os resultados durante um período de 3 a 4 semanas.
E também pode ajudar a evitar a
escolha de protocolos que, provavelmente, lhe façam andar para trás, perdendo
força e massa magra.
Mas acima de tudo, esse estudo
revela que as pessoas respondem de forma diferente aos mesmos estímulos e que,
às vezes, um protocolo de treino considerado ótimo para a maioria das pessoas
pode não ser o melhor para você.
Parece que chamam isso de “individualidade biológica”.
Alguns Dados Interessantes
O protocolo que mais
frequentemente apresentou as respostas maximizadas (Tmax) foi o treino de
hipertrofia, com 6 indivíduos consistentemente apresentando-o (na metade do
estudo chegou a 8, contando com as respostas de 2 dos indivíduos
inconsistentes). Na sequência, vem o treino de força (com 4 indivíduos - 3 a 5 considerando
os inconsistentes), depois o de RML (3 indivíduos - ou 2, contando com as
inconsistências) e por último o treino de potência (2 indivíduos).
Já o protocolo que mais
frequentemente apresentou as piores respostas (Tmin) foi o treino de RML, com 8
indivíduos consistentemente apresentando-o (10 considerando as
inconsistências). Ele vem seguido pelo treino de hipertrofia (3 indivíduos),
tecnicamente empatado com o de potência (3 indivíduos – ou 1 a 4 considerando
os inconsistentes) e, por fim, o treino de força (2 indivíduos – ou 1 contando
com as inconsistências).
Para os dois indivíduos cujo protocolo
Tmax foi o treino de potência (um deles era o Joãozinho, lembra?), o Tmin
também foi o mesmo, o treino de hipertrofia. Repare como esses caras fogem
totalmente da média, sendo que o protocolo que mais frequentemente maximizou a testosterona no geral,
no caso deles, minimizou-a.
Os autores sugerem que isso pode
ter a ver com a hipótese da existência de um limiar de treino resistido para
provocar alterações nesse hormônio.
Em indivíduos com baixo limiar,
um treino com poucas repetições (explosivas) e cargas baixas, como o treino de
potência, seria suficiente para produzir as melhores respostas da testosterona,
enquanto, para indivíduos com limiares mais altos, um treino de maior volume (como
o treino de hipertrofia, ou mesmo o de RML) seria mais apropriado. Mas essa
hipótese requer mais pesquisas para ser comprovada.
Como Usar Essa Informação
“Então, isso tudo é muito legal e
tal, mas quem é que consegue testar a testosterona pela saliva a cada treino,
porra?!”.
Bem, se você não trabalha em um
laboratório (ou melhor, se não é dono de um), as chances de que você não
consiga utilizar a concentração de testosterona salivar para definir seus
melhores e piores protocolos de treino são grandes.
Mas nem tudo está perdido.
A razão testosterona/cortisol é
um marcador do estado de recuperação de um indivíduo, então é possível ter
alguma noção sobre qual tipo de treino funciona melhor para você apenas
monitorando como você se recupera de uma sessão de treinamento.
Em um estudo anterior², os
mesmos pesquisadores verificaram em jogadores de rugby profissionais um padrão similar nas respostas da
testosterona aos quatro protocolos de treino. Eles também testaram as
concentrações de cortisol (o hormônio do estresse), porém o mesmo apresentou
consistentes reduções (o que é bom) em todos os protocolos, apesar de os
pesquisadores não terem publicado os dados individuais dessas respostas.
Embora longe de ser ideal e muito
menos preciso que a testosterona salivar, monitorar a recuperação, pelo menos,
talvez possa lhe ajudar a evitar seu pior protocolo de treino. A desvantagem de
utilizar esse método é que não há dados suficientes para saber se a redução
aguda da testosterona resultaria em uma diminuição crônica da mesma, o que
poderia levar a um declínio na performance e recuperação inadequada aos treinos.
Infelizmente, os autores
resolveram não seguir mais por essa linha de estudo, até porque as aplicações
práticas são bastante limitadas para quem não treina com o auxílio de um
laboratório de análises clínicas. Mas os sinais apresentados pelos indivíduos durante seu pior protocolo são razoavelmente consistentes: declínio na força e perda de peso (ainda que o ideal fosse ter verificado se houve perda de massa magra).
Enfim, se você está repetindo um mesmo
treino, e mesmo com dois, três, quem sabe até quatro dias de descanso não está
conseguindo evoluir, seja aumentando a carga ou conseguindo fazer um maior
número de repetições com a mesma carga, isso é um bom indicativo de que você
pode não estar se recuperando completamente do treino anterior.
Se, ao invés de aumentar, você perceber
que está regredindo nas cargas ou no volume/repetições, ou mesmo perdendo massa magra, é um indício ainda mais
forte de recuperação inadequada e de que talvez o treino realizado possa ser o seu Tmin.
Cansaço frequente, falta de
vontade de treinar, fadiga e irritabilidade podem ser outros sinais de má
recuperação ou mesmo de overtraining,
caso você já venha treinando há algum tempo. Talvez o tipo de treino que você
está fazendo não seja o ideal para você, ainda que ele costume funcionar bem para
a maioria das pessoas.
Se isso também funcionaria para mulheres é uma boa pergunta, porém ainda sem resposta. Por via das dúvidas, eu aconselharia monitorar as mesmas respostas ao treino, procurando evitar protocolos que promovessem desfechos negativos (perda de força e massa magra).
Se isso também funcionaria para mulheres é uma boa pergunta, porém ainda sem resposta. Por via das dúvidas, eu aconselharia monitorar as mesmas respostas ao treino, procurando evitar protocolos que promovessem desfechos negativos (perda de força e massa magra).
Outros estresses da vida diária,
como falta de sono, má-alimentação, trabalho e relacionamentos, também podem afetar seu
cortisol e sua recuperação, então as circunstâncias da sua vida devem ser
levadas em conta.
Afinal,
“Eu sou eu e minhas
circunstâncias” – já diria José Ortega y Gasset.
Fontes:
1. Beaven CM, Cook CJ, Gill ND. “Significant
strength gains observed in rugby players after specific resistance exercise
protocols based on individual salivary testosterone responses”. J Strength Cond
Res. 2008 Mar;22(2):419-25.
2. Beaven CM, Gill ND, Cook CJ. “Salivary
testosterone and cortisol responses in professional rugby players after four
resistance exercise protocols”. J Strength Cond Res. 2008 Mar;22(2):426-32.
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