Saiba por que o exame de PSA pode não ser totalmente confiável para identificar o câncer de próstata.
O
ano está quase acabando, chegamos ao seu décimo primeiro mês - mais conhecido como Novembro
Azul, logo mais vêm as festas e toda aquela agitação do fim de um ano e início
de outro, mas o que realmente preocupa alguns homens nesse momento,
principalmente os com mais de 40 ou 50 anos, é o fio-terra.
Ops,
eu quis dizer o Exame de Toque Retal.
Não
duvide que têm homens que acham esse exame tão desconfortável que eles preferem
passar longe dos dedos de seus médicos e contentar-se apenas com o resultado do
exame de sangue que detecta os níveis de PSA, que é como normalmente é
conhecido o antígeno prostático específico (uma proteína produzida pelo tecido prostático).
O
problema é que, segundo a Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos Estados
Unidos (USPSTF), os resultados do exame de PSA podem não ser tão confiáveis para o diagnóstico do câncer de próstata quanto gostaríamos.
Detectando o Câncer de Próstata
O
câncer de próstata é o segundo que mais mata homens no Brasil, ficando atrás
apenas do câncer de pulmão. Parece que esse também é o caso nos EUA.
Os
dois exames menos invasivos e mais frequentemente utilizados para diagnóstico
do câncer de próstata costumam ser o PSA (através do exame de sangue) e o toque
retal. Eu sei o que você está pensando sobre “menos invasivo”, mas essa é a
linguagem usada pela medicina, e ela não considera introduzir dedos no seu ânus
um procedimento invasivo. Outras
opções para diagnóstico ainda podem ser a ultrassonografia, exame de urina,
biópsia, etc.
A
fim de avaliar as evidências científicas sobre o exame de PSA na detecção do
câncer de próstata, a Força-Tarefa (USPSTF) solicitou a realização de um estudo
de revisão das pesquisas sobre a matéria.
Os cientistas
responsáveis pela revisão sistemática publicaram seus dados em 2018, na Revista
da Associação Médica Americana - JAMA (Journal of the American Medical
Association).
O Que Eles Fizeram
Os
pesquisadores analisaram os dados de 63 estudos em 104 publicações, incluindo mais
de 1,9 milhões de participantes ao redor do mundo.
Eles
queriam verificar:
- Se há evidências diretas que o exame de PSA reduz a morbidade e a mortalidade em curto ou longo prazo, e se a efetividade do exame varia em razão de alguma subpopulação ou fatores de risco;
- Quais os benefícios e malefícios do exame de PSA para diagnóstico do câncer de próstata;
- Se há evidências de que as várias abordagens de tratamento para câncer de próstata detectado precocemente reduzem a morbidade e mortalidade;
- Quais os riscos e benefícios do tratamento para câncer de próstata detectado precocemente através do exame;
- Se há evidências de que o uso de calculadoras de risco de câncer de próstata pré-biópsia (como esta aqui), em combinação com o exame de PSA, consegue identificar mais precisamente homens com câncer de próstata clinicamente relevante do que o PSA sozinho.
O Que Eles Encontraram
Em
resposta às perguntas feitas pelo estudo, eles verificaram o seguinte:
(p.s.: se você quer ver a versão menos densa desses resultados, pule para a próxima sessão)
- Os resultados encontrados indicam que os grupos que realizaram os exames de PSA apresentaram uma incidência de câncer de próstata de 9,7%, em média, enquanto os grupos controle (que não realizaram exames) tiveram uma incidência de cerca de 6,7%, uma diferença de cerca de 3 pontos percentuais (ou uma detecção 44,2% maior com a realização do exame). Segundo os autores, há evidências de que o exame de PSA aumente a detecção do câncer de próstata, especialmente de cânceres localizados e menos agressivos. As evidências também sugerem que o exame pode reduzir a incidência de metástases no longo prazo. Uma análise recente sugere uma redução de 25 a 30% no risco relativo de morte pelo câncer com a realização do exame. Contudo, vários estudos analisados utilizaram uma concentração mais baixa de PSA para indicação de biópsia (3 ng/ml) do que os valores de referência utilizados nos EUA (e no Brasil), que é de 4.0 ng/ml, o que pode prejudicar a aplicabilidade dos resultados na prática. As evidências para homens com mais de 70 anos são limitadas, assim como quanto a benefícios diferenciados em afro-americanos e homens com histórico familiar da doença;
- Os dados demonstram que exames anormais de PSA são comuns e a maioria dos homens submetidos a biópsia após um teste alterado não tem câncer de próstata. Adversidades decorrentes da biópsia incluem dor, sangramento e infecções, mas talvez o pior malefício seja o sobrediagnóstico, que lhe faz passar pelos danos potenciais físicos e psicológicos do diagnóstico e tratamento sem, contudo, aumentar a qualidade ou expectativa de vida. Estima-se que 16 a 50% dos cânceres de próstata sejam sobrediagnosticados (diagnóstico de uma doença que nunca provocará sintomas ou morte).
- Um estudo encontrou taxas de sobrevivência similar entre homens com câncer de próstata detectado precocemente através do exame de PSA tratados com prostatectomia, radioterapia ou observação vigilante. Dos homens que monitoraram ativamente a condição, 45% permaneceram sem necessidade de tratamento após um período de 10 anos. Apesar disso, a incidência de metástases foi maior no grupo da observação (6%) do que no submetido ao tratamento precoce (2 a 3%). Um protocolo de observação vigilante, com exames de PSA, imagem e biópsias pode reduzir o risco de metástases, comparado ao PSA sozinho, embora possa apresentar alguns efeitos adversos associados às repetidas biópsias. As taxas de sobrevivência estimadas para pacientes com câncer de próstata podem chegar a 99% em um período de 10 anos, porém os resultados para prazos mais longos permanecem incertos.
- O tratamento do câncer de próstata pode apresentar consequências adversas. A maioria dos homens submetido a prostatectomia radical (retirada total da próstata e tecidos adjacentes) terá problemas sexuais de longo prazo e cerca de 17% terá dificuldades urinárias (incontinência). Aproximadamente 36% dos homens submetidos a radioterapia terão disfunção erétil e muitos irão apresentar desconfortos intestinais. Apesar desses efeitos, o tratamento para câncer localizado, comparado ao tratamento conservador, não parece comprometer a qualidade de vida ou a saúde física e mental.
- O estudo demonstra que o uso de calculadoras de risco pré-biópsia podem identificar homens com (e sem) alto risco de câncer de próstata melhor do que o exame de PSA sozinho, porém o benefício do uso desses cálculos para decidir sobre a realização de biópsia não possui evidências estabelecidas. O diagnóstico ou estratégias de monitoramento através de testes de urina ou ressonância magnética ainda estão sob estudo, e têm sido recomendados por algumas organizações.
Os
autores concluíram sua revisão da seguinte forma:
“O
exame de PSA pode reduzir o risco de mortalidade por câncer de próstata, mas é
associado com resultados falso positivos, complicações decorrentes da biópsia,
e sobrediagnóstico. Comparado com abordagens conservadoras, tratamentos ativos
para câncer de próstata detectado pelo exame têm efeitos pouco claros na
sobrevivência em longo prazo, mas estão associados com problemas sexuais e
urinários”.
Colocando Isso em Outra Perspectiva
Na
mesma data de publicação daquele estudo, a própria USPSTF publicou uma
Declaração de Recomendações¹ quanto ao uso do exame de PSA para diagnóstico do
câncer de próstata de uma forma mais palatável para a população em geral.
Aqui
está o resumo dessa publicação:
- Estudos mostram que o exame de PSA em homens de 55 a 69 anos apresenta potenciais vantagens e desvantagens ao longo de um período de 10-15 anos.
- De cada 1000 homens que realizarem o exame de PSA:
- 240 vão apresentar um resultado positivo, o que pode indicar câncer de próstata;
- A maioria (120 a 140) deles vai descobrir que seu resultado era um falso positivo depois de uma biópsia. A biópsia pode trazer efeitos colaterais, como dor (em cerca de 7,3% dos casos), infecções (aprox. 5,5%) e hemorragia ou sangramento - em 0,5 a 1,6% dos casos foi necessária nova hospitalização;
- 100 vão apresentar uma biópsia positiva, confirmando o diagnóstico de câncer. 20 a 50% desses homens serão diagnosticados por um câncer que nunca cresce, se espalha ou se agrava, o que é conhecido como sobrediagnóstico;
- 80 desses escolherão fazer um tratamento cirúrgico ou com radiação. Cerca de 65 optarão pelo tratamento imediato, enquanto 15 irão optar pelo monitoramento inicial, mas acabarão realizando o tratamento de qualquer forma quando o câncer evoluir;
- Dos homens tratados, 50 (62,5%) irão apresentar disfunção erétil e 15 (18,75%) apresentarão incontinência urinária (alguns azarados terão ambos);
- Dos homens que se submeterem ao tratamento, 5 morrerão de câncer de próstata mesmo depois da cirurgia ou radioterapia, 3 terão evitado que o câncer se espalhe para outros órgãos (metástases) e 1,3 mortes por câncer de próstata serão evitadas (isso mesmo, praticamente uma morte).
Esse
é realmente um número bem pequeno, não é? Uma morte a cada 1000 homens
inicialmente testados; o equivalente a 0,13%. A menos, claro, que esse um seja você. Nesse
caso, a taxa de sucesso do exame e do tratamento terá sido de 100%.
Agora
as Recomendações¹:
A
USPSTF recomenda que, para homens entre 55 e 69 anos, a decisão de realizar o
exame de PSA deve ser individual. Antes de decidirem ser examinados, os homens
deveriam ter a oportunidade de discutir os potenciais benefícios e desvantagens
do exame com seus médicos e incorporar seus próprios valores e preferências a
essa decisão.
O exame oferece um pequeno benefício potencial em reduzir a chance de morte por câncer de próstata em alguns homens. Contudo, muitos homens irão sofrer potenciais prejuízos por causa dele, incluindo resultados falso positivos que irão requerer exames adicionais e possíveis biópsias da próstata; sobrediagnóstico e sobretratamento; e complicações devido ao tratamento, como incontinência urinária e disfunção erétil.
Para determinar se esse serviço é apropriado em casos individuais, pacientes e médicos deveriam considerar as potenciais vantagens e desvantagens com base no histórico familiar (que é um fator de risco importante para o câncer de próstata), raça/etnia (homens negros podem ter um risco 67% maior do que homens brancos de desenvolver câncer de próstata e 2x mais chances de morrer), outras doenças relacionadas, considerações do paciente sobre os riscos e benefícios do exame e dos desfechos específicos dos tratamentos, e outras condições de saúde.
Por fim, a USPSTF não recomenda (e desencoraja) a realização do exame de PSA para homens com 70 anos ou mais.
O Que Isso Significa para Você
Como
escolha pessoal, eu não iria tão longe a ponto de evitar fazer o teste ou mesmo
recomendar que paremos de testar nosso PSA, mas esse não deve ser o único exame
e seus níveis não devem servir como guia definitivo para os próximos passos.
São
vários os fatores que podem elevar o PSA mesmo em homens sem a presença de
tumores. A hipertrofia prostática benigna (HPB) é um desses. O uso de
medicamentos para tratar a HPB, como a finasterida e dutasterida, pode diminuir
os níveis de PSA. Prostatite (inflamação da próstata) ou infecções do trato
urinário também podem causar alterações no PSA, assim como biópsias e cirurgias
na próstata. Também pode haver variações em testes realizados em diferentes
laboratórios², ou mesmo em diferentes dias.
Outras
práticas como andar de bicicleta por longos períodos pode estar associado com
níveis mais elevados de PSA. Até mesmo a ejaculação pode ocasionar maior
liberação de PSA, mas se o sexo (ou masturbação) pudesse causar câncer de
próstata, creio que a maioria dos homens estaria cagando e andando para isso e
jamais “deixaria de ejacular”.
Apesar
de tudo, acho que o exame de PSA realmente é importante, especialmente para
populações de risco e em alguns casos individuais, mas devem ser
considerados outros fatores em sua interpretação, assim como a realização de
outros exames adicionais, como o de toque retal.
A Sociedade Brasileira de Urologia compartilha da mesma visão da USPSTF, conforme
identificado em uma Nota Oficial de 2018³ em seu portal:
“Para pacientes diagnosticados com tumores
de baixo risco, a visão contemporânea é o oferecimento do regime de observação
vigilante como conduta e consiste em avaliações periódicas por meio de toque
retal e dosagens do PSA, reservando-se a ressonância magnética da pelve e/ou
biópsia prostática para ser realizada em intervalos variados. O tratamento
definitivo deve ser indicado caso seja identificada progressão da doença em
pacientes com expectativa de vida maior que 10 (dez) anos, poupando pacientes
com tumores “indolentes” das consequências do tratamento”.
O Que Fazer com Essa Informação
Você
não precisa discutir com seu médico se ele solicitar o exame de PSA em todo
check-up anual que você realizar. Monitorá-lo periodicamente pode até ser útil.
Apenas não aposte todas as suas fichas nos resultados desse exame.
Também
não enlouqueça caso um desses resultados venha alterado. E mesmo que os
resultados estejam bons, não significa que você pode dormir totalmente tranquilo
sabendo que não tem câncer de próstata.
Muitos
estudos têm demonstrado que homens com PSA abaixo de 4.0 ng/ml têm câncer de
próstata, enquanto muitos homens com PSA acima disso não têm².
Enfim,
a mensagem principal que deve ficar é:
Faça
seus exames regularmente e, junto com seu médico, monitore possíveis sintomas e
resultados de exames posteriores. E, sobretudo, tenha consciência dos possíveis
riscos e benefícios dos exames e tratamentos disponíveis, assim como das
posições de organismos importantes (nacionais e internacionais) em relação ao
tema.
Fontes:
1. US
Preventive Services Task Force. “Screening for Prostate Cancer: US Preventive
Services Task Force Recommendation Statement”. JAMA. 2018 May 8;319(18):1901–1913.
2. National
Cancer Institute. (October 4, 2017). “Prosate-Specific Antigen (PSA) Test -
What is a normal PSA test result?”. https://www.cancer.gov/types/prostate/psa-fact-sheet.
3. Sociedade
Brasileira de Urologia. (Setembro 14, 2018). “Nota Oficial 2018 - Rastreamento do
Câncer de Próstata”. https://portaldaurologia.org.br/medicos/destaque-sbu/nota-oficial-2018-rastreamento-do-cancer-de-prostata/.
4. Fenton
JJ, Weyrich MS, Durbin S, Liu Y, Bang H, Melnikow J. “Prostate-Specific Antigen-Based
Screening for Prostate Cancer: Evidence Report and Systematic Review for the US
Preventive Services Task Force”. JAMA. 2018 May 8;319(18):1914-1931.
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