Saiba o que o GH não pode fazer por você. E o que ele, supostamente, pode.
Foto: Marco
Verch em Flickr.com
(CC2.0)
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O Hormônio do Crescimento (GH),
como o próprio nome já diz, é essencial durante as fases da vida em que estamos
crescendo, como na infância e na puberdade. A secreção adequada de GH
possibilita o crescimento de todos os tecidos do corpo, incluindo óssos, músculos
e órgãos.
Tanto sua deficiência quanto seu
excesso podem causar problemas, como o nanismo e o gigantismo, respectivamente.
A deficiência de GH pode ser tratada com injeções do hormônio, algo que tem sido
feito desde o final da década de 1950. Naquela época, porém, o GH era obtido a
partir da hipófise de cadáveres e algumas pessoas tratadas com esse hormônio
passaram a desenvolver a gravíssima doença de Creutzfeldt-Jakob.
Em 1981, os cientistas dominaram uma técnica para produzir
GH recombinante (sintético) e seu uso passou a ser relativamente seguro.
GH nos Esportes
A partir do desenvolvimento do GH
sintético, a disponibilidade do medicamento aumentou, bem como o interesse pelo
seu uso como recurso ergogênico nos esportes. A proposta era muito boa. Um
hormônio que, supostamente, aumentava os músculos, reduzia gordura e que
raramente era testado e dificilmente detectado em exames anti-doping.
O fisiculturismo foi, possivelmente, um dos primeiros
esportes a utilizar o GH dessa maneira, mas, por ser muito caro, ele era usado
principalmente por atletas profissionais.
Da mesma forma, o interesse dos
cientistas em esclarecer os reais benefícios do GH nos esportes também aumentou
e, nas últimas décadas, foram feitas inúmeras pesquisas sobre seu uso, tanto em
pessoas com deficiência quanto em atletas e pessoas comuns.
Mas, mesmo após 3 décadas de
pesquisas, parece que os usuários do hormônio para fins estéticos ainda não
entenderam que o GH não tem um efeito tão milagroso quanto eles pensam.
Parece que é caro demais admitir
isso.
GH não aumenta os músculos
Em 1992, um estudo analisou os
efeitos da administração de GH em homens jovens e saudáveis em conjunto com o
treinamento resistido (i.e. musculação).
16 homens foram divididos em 2
grupos. Um grupo (7 indivíduos) utilizava 40mcg de GH por quilo de peso
corporal por dia (somente nos dias de treino), enquanto o outro (9 indivíduos)
aplicava placebo. Os valores administrados chegaram a superar em 2 a 4 vezes a
secreção fisiológica normal do hormônio, ou seja, para um indivíduo de 70kg a dose
administrada foi equivalente a mais de 8 Unidades Internacionais (UI) diárias. Para
se ter uma ideia, um ciclo de GH costuma ser feito com 4UI por dia em
iniciantes e de 8 a 12UI em indivíduos “experientes”.
Por 12 semanas, ambos os grupos
seguiram o mesmo programa de treino de musculação, 5 dias por semana, realizando
4 séries de 4 a 8 repetições com carga de 75-90% de 1RM, alternando entre
membros superiores e inferiores diariamente.
O grupo que recebeu GH aumentou
mais a massa magra e a água corporal. A síntese proteica corporal e o balanço
proteico (síntese vs. degradação de proteínas) também foram maiores nos
indivíduos que usaram GH.
Porém, a síntese proteica
muscular (analisada através de biópsia do quadríceps), que é o que realmente
interessa para a hipertrofia, foi idêntica nos dois grupos. Da mesma forma, as
circunferências do tronco e dos membros, assim como a força muscular, não
apresentaram diferenças entre os grupos.
Os pesquisadores concluíram que a
administração de GH não produziu maiores ganhos em força muscular, hipertrofia
ou síntese proteica muscular quando comparado ao placebo. Dessa forma, o racional
por trás do uso de GH para amplificar o crescimento muscular induzido pelo
exercício, e assim aumentar a força muscular, parece não ter fundamento.
O fato de os indivíduos que
usaram GH terem aumentado mais a massa magra, mas não massa muscular, sugere
que o aumento se deu, principalmente, em água e proteínas não-contráteis.
GH também tem efeitos colaterais
Apesar de não ser um hormônio
esteroide, o uso de GH pode apresentar efeitos indesejados, como retenção hídrica
e dores nas articulações e músculos (provavelmente causadas pela própria
retenção). Tanto que dois indivíduos do grupo que recebeu GH no estudo acima
desistiram do experimento devido ao desenvolvimento de síndrome do túnel do
carpo (inicialmente ambos os grupos tinham 9 voluntários).
Outro efeito adverso notado em diversas
pesquisas com GH foi o desenvolvimento de resistência à insulina, contudo, no
presente estudo, esse efeito não foi observado. Os pesquisadores sugerem que o
treinamento resistido pode ter promovido alguma proteção contra a resistência à
insulina tipicamente associada à administração de GH.
Para que o GH serve então?
Não me entenda mal. É importante
ter níveis fisiológicos normais de GH, já que sua deficiência também pode
causar diversos efeitos e sintomas adversos.
Ainda assim, os estudos
relacionados à administração de doses suprafisiológicas de GH em pessoas com
deficiência também apresentam resultados conflitantes.
E, embora haja estudos relatando efeitos
lipolíticos (perda de gordura) diretos e indiretos relacionados à administração
de GH², o custo-benefício do tratamento ainda parece não valer a pena.
É possível gastar melhor os 4 a
10 mil reais (ou mais) que custa um ciclo de GH e, ainda assim, obter os mesmos
efeitos de perda de gordura (provavelmente até melhores) com uma dieta e treino
decentes.
Agora, um efeito do GH que
dificilmente recebe a devida atenção, é o seu potencial clínico de uso em
lesões musculoesqueléticas.
GH pode curar lesões
Isso é o que sugere um estudo
publicado em 2010 no “The Journal of Physiology”. Nesse ensaio clínico
randomizado duplo-cego, cruzado e controlado por placebo os pesquisadores submeteram
10 homens saudáveis e sedentários à administração de GH ou placebo durante 14
dias, cujas doses foram aumentadas após a primeira semana (33 e 50mcg/kg).
Os cientistas coletaram amostras
de tendão (patelar) e músculo (vasto lateral) de ambas as pernas dos
voluntários, de forma a analisar os resultados tanto em repouso quanto 24h após
uma única sessão de exercício em que foram realizadas 10 séries de 10
repetições de extensão de joelho unilateral a 70% de 1RM. Também foram
coletadas amostras sanguíneas a fim de detectar alterações no próprio GH e em outros
fatores de crescimento, como o IGF-1.
Os principais achados do estudo
são que o aumento do GH causou uma expressão aumentada em 2 vezes no RNA
mensageiro do colágeno tipo I e tipo III, bem como síntese de proteínas do
colágeno aumentadas nos tecidos conjuntivos dos músculos (6 vezes maior) e
tendões (1,3 vezes maior), mas, tal como no estudo anterior, sem efeito na síntese
proteica muscular.
A administração de GH provocou
uma resposta diretamente relacionada (e dose-dependente) na elevação de IGF-1,
não apenas sistêmica como também localizada nos tecidos tendíneos, confirmando
que a “suplementação” de GH foi suficiente para estimular o eixo GH/IGF-1.
Contudo, os cientistas relatam
que o exercício por si só, da forma como foi aplicado (100 repetições com cargas
altas), foi insuficiente para provocar uma resposta positiva na síntese
proteica muscular ou de colágeno.
Em conclusão, os pesquisadores
citam que a administração de GH causou um aumento na síntese da matriz de
colágeno nos músculos e tendões e que, aparentemente, o GH e o IGF-1 reforçam a
estrutura de suporte de colágeno ao redor das fibras musculares ao invés da
parte contrátil do músculo.
O que isso significa pra você
Ao que tudo indica, o uso de GH
para fins de hipertrofia parece ser superestimado, já que vários estudos falharam
em verificar ganhos musculares reais com a administração do hormônio em
indivíduos com níveis adequados do mesmo.
O fato de que, no último estudo,
apenas duas semanas de suplementação de GH causaram um aumento de até 6 vezes
na síntese de colágeno, e sem ocorrência de efeitos colaterais, apresenta uma perspectiva
de uso clínico do hormônio no tratamento de lesões musculoesqueléticas em que a
matriz de colágeno tenha sido danificada.
Os pesquisadores citam estudos
onde foi verificado um tempo significativamente menor na cura de fraturas
ósseas fechadas para um grupo que recebeu altas doses de GH, bem como em um
grupo que recebeu outros fatores de crescimento (incluindo IGF-1) após ruptura
do tendão de Aquiles.
Apesar disso, até o momento, o
uso de GH no tratamento de lesões ósseas, musculares e tendíneas não é usualmente
aplicado, mas as pesquisas mostram que ele pode ser uma alternativa promissora nesses
casos.
Mas o exercício não aumenta o GH?
Sim. De fato, o exercício resistido
de alta intensidade produz picos na secreção de GH, assim como o exercício
aeróbico intenso. Os aminoácidos arginina e ornitina também podem aumentar o
GH.
Sofrer uma queimadura aumenta o
GH. Assim como ter uma hipoglicemia. Fazer sauna também aumenta o GH, bem como ficar
em jejum. Até ficar enjoado de tanto girar de olhos fechados aumenta o GH e,
provavelmente, o enjoo por andar de avião também.
Mas você não diria que muitas
dessas ações aumentariam seus músculos, diria?!
O fato de uma coisa ocorrer em
decorrência de outra não implica que a consequência obtida ao final seja efeito
desta.
Ou seja, a elevação do GH induzida
pelo exercício não implica que a hipertrofia gerada pelo exercício seja efeito
do aumento do GH. Se nem mesmo a administração de doses suprafisiológicas do
hormônio do crescimento foi capaz de aumentar a hipertrofia, o pico (bem menor)
induzido pelo exercício também não seria.
E os fisiculturistas gigantes que usam GH?
Bem, com certeza, eles não estão
usando apenas GH. Na verdade, eles certamente têm um laboratório químico
inteiro dentro de seus corpos.
Diversos outros esteroides
anabolizantes promovem hipertrofia muscular e perda de gordura como o GH
deveria fazer. Assim, de que forma você pode atribuir ao GH os efeitos obtidos?
Mas o GH sozinho,
comprovadamente, não vai trazer esses resultados.
Compartilhe esse artigo com aquele amigo que está gastando milhares de reais com GH.
Fontes:
1. Yarasheski KE et al. “Effect of growth
hormone and resistance exercise on muscle growth in young men.” Am J Physiol.
1992 Mar; 262(3 Pt 1):E261-7
2. Cruzat VF et al. “Hormônio do crescimento e
exercício físico: considerações atuais.” Revista Brasileira de Ciências
Farmacêuticas, vol. 44, n. 4, out./dez., 2008.
3. Doessing S et al. “Growth hormone stimulates
the collagen synthesis in human tendon and skeletal muscle without affecting
myofibrillar protein synthesis.” The Journal of physiology vol. 588,Pt 2
(2010): 341-51. doi:10.1113/jphysiol.2009.179325
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