A Dose Mínima de Treino

Sem tempo para treinar? Cientistas sugerem que a dose mínima de treino pode ser tão baixa quanto 20 a 60 minutos por semana.

Mulher no Leg Press
Foto: Scott Webb em Pexels


Nesse mundo moderno, na correria do dia-a-dia, a falta de tempo é um dos motivos mais citados pelas pessoas para não se exercitarem.

Temos que admitir que pelo menos alguma parte dessa culpa é dos próprios profissionais da área da saúde (médicos, educadores físicos, etc.), que, avessos à realidade da vida moderna, propõem diretrizes de exercícios físicos com volumes excessivos e grande demanda de tempo necessária para sua prática.

Como exemplo, podemos verificar que a recomendação de exercícios físicos para adultos do ACSM (Colégio Americano de Medicina do Esporte) é de 150 a 300 minutos de exercícios em intensidade moderada por semana.

Contudo, a ciência vem demonstrando, estudo após estudo, que exercícios vigorosos feitos por um curto espaço de tempo podem provocar efeitos semelhantes, às vezes até melhores, do que exercitar-se por horas a fio.

Preocupados em fornecer diretrizes mais simples e efetivas para os treinos de musculação, cientistas do calibre de James Fisher, James Steele e Paulo Gentil resolveram fazer uma revisão de literatura a fim de encontrar a dose mínima necessária de treino para indivíduos mais velhos.


O que eles fizeram

Os pesquisadores analisaram mais de 40 estudos a fim de verificar os benefícios atingidos com uma dose pequena de exercícios resistidos, bem como determinar qual seria o volume e frequência de treino que constituiria essa dose mínima necessária, segundo os artigos revisados.


O que eles encontraram

Segundo os dados analisados, os resultados sugerem que, em termos de dose, o foco deve ser na realização de uma única série com alta intensidade utilizando exercícios multiarticulares para os principais grupamentos musculares (pernas, dorsais e peitoral/ombros), visto que há evidências de que o aumento do volume pela adição de exercícios isolados ou pela realização de séries adicionais não produz maiores ganhos em força e massa muscular, ao menos em adultos mais velhos.

Os pesquisadores citam que uma metanálise de 2014 sugere que uma variação na carga (de 55 a 84% de 1RM), no volume (de 1 a 6 séries) ou na frequência (de 1 a 3 vezes por semana) não produziu ganhos de força diferentes em adultos acima de 55 anos.

Apesar disso, baseados em um estudo publicado em 2017, os autores sugerem que a frequência mínima para manutenção da massa muscular seja de 2 dias por semana, já que idosos entre 64 e 75 anos apresentaram diminuição da massa muscular ao reduzir a frequência de treino de 2 vezes por semana para uma única vez, apesar de não apresentarem declínio na força muscular.


O fator Intensidade

Os pesquisadores são realistas em apontar que, provavelmente, o único ponto negativo de adotar uma abordagem de dose mínima tão baixa seja a necessidade de se exercitar com uma alta intensidade de esforço.

Eles citam que as melhores adaptações foram verificadas quando os indivíduos, utilizando uma carga moderadamente alta (50 a 90% de 1RM), ou se exercitaram até a falha muscular momentânea ou realizaram séries múltiplas gerando fadiga cumulativa.

De fato, muitas pessoas não apresentam resultados satisfatórios no treino HIT (Treino de Alta Intensidade) por não treinarem com a intensidade necessária. Normalmente essas pessoas não conseguem atingir a falha muscular, seja por não saber o que é a verdadeira falha (que é quando você não consegue realizar mais uma repetição apesar de tentar), seja por sentir um desconforto (dor) tão grande que o praticante interrompe o exercício voluntariamente antes de atingi-la.

Nesse ponto, os pesquisadores apontam estudos que sugerem que a supervisão (e motivação) de um professor ou personal trainer seja recomendada e, até mesmo, necessária, principalmente se tratando de indivíduos menos motivados, tanto para garantir a intensidade adequada quanto pela possibilidade de promover maior aderência (ou seja, que os participantes se mantenham praticando a musculação).


Benefícios à saúde

Os diversos benefícios à saúde, em adultos mais velhos, decorrentes da musculação verificados no estudo, além do ganho de força e massa muscular, foram:
  • Menor tempo de trânsito gastrointestinal (reduzindo o risco de câncer de cólon);
  • Maior taxa metabólica;
  • Aumento da densidade mineral óssea (ossos mais fortes);
  • Redução de lombalgia (dor nas costas);
  • Diminuição da pressão sanguínea;
  • Aumento da sensibilidade à insulina e qualidade muscular;
  • Aumento da síntese proteica muscular;
  • Rejuvenescimento mitocondrial e muscular.


Bem como os benefícios psicológicos verificados:
  • Melhora da função cognitiva;
  • Diminuição do medo de cair;
  • Diminuição da ansiedade;
  • Diminuição na depressão;
  • Melhora na qualidade do sono de indivíduos deprimidos;
  • Aumento da autoestima.


Além de todos esses benefícios, a maior força e massa muscular (tipicamente resultantes do treino resistido) estão associados a uma maior longevidade e redução na mortalidade por todas as causas em idosos.


O que isso significa para você

Segundo os pesquisadores:

“Apresentamos evidências de que um programa de exercícios resistidos descomplicado (p.ex. 3 a 10 exercícios em máquinas de colunas de peso feitos com uma única série cada) a uma dose baixa a moderada (menos de 60 minutos totais, divididos em duas vezes por semana) pode ser tudo o que é necessário para obter os benefícios à saúde supracitados”.

Os cientistas consideram que essas recomendações estão dentro das capacidades da maioria da população, particularmente de adultos mais velhos, que são os que mais podem se beneficiar das melhoras fisiológicas e psicológicas, e propõem que o exercício seja abordado a partir dessa dose mínima, podendo ser adaptada (aumentada) com o tempo, se necessário.


O Treino 

De forma prática, os pesquisadores sugerem um exemplo de treinamento “dose mínima”, o qual é composto pelos exercícios principais (núcleo) e suplementares:

Exercícios - Núcleo (exercícios multiarticulares para os principais grupos musculares):
  • 1. Supino (sentado na máquina)
  • 2. Leg Press
  • 3. Remada Sentada


Exercícios Suplementares (não essenciais):
  • 4. Desenvolvimento
  • 5. Puxada (ambos a serem incluídos caso não haja restrições na mobilidade/impacto nos ombros ou pressão alta - exercícios com os braços acima da cabeça são contraindicados nesses casos);


  • 6. Cadeira Extensora
  • 7. Cadeira/Mesa Flexora (exercícios isolados para as pernas podem ser incluídos caso o Leg Press não seja recomendado por qualquer razão ou em caso de necessidade de exercícios adicionais para os extensores/flexores de joelhos);


  • 8. Extensão Lombar
  • 9. Flexão abdominal (devem ser incluídos intermitentemente para reduzir o risco ou severidade de dor nas costas, melhorar a postura e proteger a coluna vertebral e os órgãos vitais)


  • 10. Extensão cervical (pescoço) (um músculo bastante incomum de se trabalhar na academia, porém os cientistas apontam que as evidências demonstram que seu reforço desempenha um papel importante na redução do risco de lesões)

Quantas Séries: 1 única série máxima por exercício (com alta intensidade).

Quantas Repetições: Idealmente, cerca de 8 a 12 repetições por exercício. Agora, se você errar muito na escolha do peso, terá que fazer mais ou menos repetições, já que a série deverá ser levada até a falha muscular (ponto onde você não consegue mais realizar a fase concêntrica da repetição mantendo boa técnica de movimento) independente do número de repetições realizado.

Velocidade das Repetições: Lentas - 4 a 8 segundos por repetição. Cada fase (concêntrica e excêntrica) deve levar de 2 a 4 segundos, mantendo a tensão muscular durante toda a amplitude do exercício, evitando aceleração/desaceleração, totalizando 60 a 90 segundos de tempo sob tensão (TUT).

Respiração: Os pesquisadores recomendam uma respiração rítmica, evitando a manobra de Valsava (prender a respiração durante a execução da força).

Frequência: Os treinos deveriam ser realizados duas vezes por semana, idealmente com um intervalo de 48 a 72 horas entre as sessões.

Supervisão: Embora a supervisão de um profissional seja recomendada, a escolha desses exercícios, mesmo sem supervisão, é considerada apropriada para praticantes inexperientes por serem exercícios de fácil aprendizagem e execução.

Na maioria dos estudos analisados, foram utilizados exercícios em máquinas com colunas de pesos a fim de diminuir o tempo de troca entre exercícios, bem como simplificar a sessão de treino. Além disso, os dados de estudos sugerem que um programa baseado em exercícios em máquinas pode ser mais seguro do que exercícios com pesos livres.

Segundo os autores, fazendo o mínimo de 3 exercícios principais, considerando um breve descanso de cerca de 1min entre exercícios, cada treino levará, no máximo, 10 minutos. Por outro lado, realizando os 10 exercícios, com o mesmo tempo de descanso, cada treino deverá durar não mais do que 30 minutos.

Dessa forma, o tempo total de treino por semana (2 sessões) deve ficar entre 20 e 60 minutos.

E aí, continua achando que não tem tempo para se exercitar?


Como eu uso essa informação

Como você pode ver, com um tempo de treino tão curto não há mais desculpas de falta de tempo para treinar.

Se você for uma pessoa realmente ocupada, ainda pode encaixar uma das sessões no fim de semana e, assim, apenas necessita de outra sessão no meio da semana (terça, quarta ou quinta-feira).


Mas eu não sou velho, posso seguir esse programa?

Tenha em mente que as recomendações feitas pelos pesquisadores são diretrizes gerais voltadas, principalmente, para adultos mais velhos, que muitas vezes possuem problemas de saúde, mas você pode adaptá-las para a sua realidade.

Por exemplo, apesar de ser menos seguro, é possível realizar esse treino apenas com pesos livres se você não dispõe de máquinas de musculação. Basta substituir o Supino na máquina pelo Supino Reto, o Leg Press pelo Agachamento e a Remada Sentada pela Remada Curvada. O Desenvolvimento também pode ser feito com barra ou halteres e a Puxada pode ser substituída pela Barra Fixa, por exemplo.

Dependendo do nível de força do praticante, até mesmo exercícios com o peso corporal podem ser utilizados, como Apoio no solo (ou Mergulho nas paralelas), Agachamento Búlgaro e Remada Invertida.

Apenas lembre-se que, como os exercícios são feitos até a falha muscular, a segurança é um fator importante. Ter um parceiro para ajudar na última repetição de Supino ou Agachamento, por exemplo, ou utilizar barras de segurança para largar o peso é essencial.

Afinal, se você morrer com uma barra de supino trancada no pescoço, o exercício meio que perde seu propósito de promover ganhos funcionais, estéticos e de saúde.


Mas não vou ficar estagnado fazendo sempre o mesmo treino?

A progressão é importante independente do método de treino, mas progredir não significa apenas aumentar a carga ou o número de séries. Nesse treino, como você sempre executará as repetições até a falha, o objetivo deve ser evoluir dentro dos exercícios.

A cada treino você deve buscar superar o número de repetições do treino anterior. Quando você chegar a fazer 12 a 15 repetições com o mesmo peso, aumente a carga.

Até para praticantes mais avançados é possível utilizar métodos supramáximos como Rest-Pause, Drop-Set e repetições forçadas. Utilizar variações dos exercícios pode ser uma outra opção.


Mas se isso dá certo por que ninguém usa esse tipo de treino?

Na verdade, pelo menos desde a década de 70, um sujeito chamado Arthur Jones popularizou o Treino de Alta Intensidade, ou HIT (High Intensity Training), também chamado atualmente de HIRT - Treino Resistido de Alta Intensidade (High Intensity Resistance Training), que consiste em realizar apenas uma única série com uma alta intensidade de esforço, inclusive utilizando métodos supramáximos.

A filosofia de Arthur Jones era realizar um treino curto e de alta intensidade, sendo que o próprio Arthur treinou diversos fisiculturistas campeões mundiais, como Mike Mentzer, Sergio Oliva e seu caso mais famoso, Casey Viator.

Essa filosofia permite ao praticante poupar tempo, obter resultados e focar no que é realmente importante.

Parece algo que podemos usar nos dias atuais, concorda?

Então, chega de desculpas. Treine simples e com intensidade, sem precisar gastar tempo que você não tem para isso!


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Fonte:
Fisher J et al. “A minimal dose approach to resistance training for the older adult; the prophylactic for aging.” Experimental Gerontology. Volume 99, 1 December 2017, Pages 80-86.

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